segunda-feira, 2 de abril de 2012

"A HISTÓRIA"





"A Doutrina Espírita, como toda idéia nova, tem seus adeptos e
seus opositores. Vamos tentar responder a algumas das objeções,
examinando o valor dos motivos em que se apóiam, sem termos, entretanto,
a pretensão de convencer a todos, porque há pessoas que
acreditam que a luz tenha sido feita exclusivamente para elas. Dirigimo-
nos às pessoas de boa-fé, sem idéias preconcebidas ou obstinadas
e sinceramente desejosas de se instruir, e demonstraremos que a
maior parte das objeções à Doutrina provém de uma observação incompleta
dos fatos e de um julgamento feito com muita leviandade e
precipitação.


Lembremos primeiramente e em poucas palavras a série progressiva
dos fenômenos que deram origem à Doutrina Espírita.


O primeiro fato observado foi o de que diversos objetos se movimentavam;
de maneira geral, chamaram-no de mesas girantes ou dança
das mesas. Esse fenômeno, observado primeiramente nos Estados
Unidos, ou melhor, que se repetiu e foi anunciado naquele país, porque
a história prova que remonta à mais alta Antiguidade, se produziu
acompanhado de circunstâncias estranhas, como barulhos anormais,
pancadas sem causa aparente ou conhecida. Dos Estados Unidos se
propagou rapidamente pela Europa e em seguida por todo o mundo.
A princípio houve muita incredulidade, mas a multiplicidade das experiências
não mais permitiu duvidar da realidade.


Se o fenômeno tivesse ficado restrito ao movimento dos objetos
materiais, poderia ser explicado por uma causa puramente física. Estamos
longe de conhecer todos os agentes ocultos da natureza e todas as
propriedades daqueles que conhecemos; a eletricidade, aliás, multiplica
a cada dia ao infinito os recursos que ela proporciona ao homem
e parece destinada  a iluminar a ciência com uma nova luz. Não haveria,
portanto, nada de impossível se a eletricidade, modificada por algum
fator ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa desse
movimento. A reunião de muitas pessoas, aumentando o poder da
ação, parecia apoiar essa teoria, porque se podia considerar todo o
conjunto como uma pilha múltipla cujo potencial estava em razão do
número de elementos.


O movimento circular não apresentaria nada de extraordinário,
está na natureza, todos os astros se movem em círculos; poderíamos
ter um pequeno reflexo do movimento geral do universo, ou melhor,
uma causa até então desconhecida poderia produzir acidentalmente,
com pequenos objetos e em determinadas circunstâncias, uma corrente
parecida à que faz girar os mundos.


Ocorre que o movimento nem sempre era circular; muitas vezes
era brusco, desordenado; outras vezes o objeto era violentamente
sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e, contrariamente a
todas as leis da estática7, levantado do chão e mantido no espaço.
Ainda não havia nada nesses fatos que não pudesse ser explicado
pelo poder de um agente físico invisível. Não vemos a eletricidade
derrubar edifícios, destruir árvores, lançar ao longe os mais pesados
corpos, atraí-los ou repeli-los?


Os ruídos anormais, as pancadas, supondo-se que não fossem um
dos efeitos normais da dilatação da madeira ou de qualquer outra causa
acidental, poderiam muito bem ser produzidos pelo acúmulo de um fluido
oculto: a eletricidade não produz os ruídos mais violentos?




Até aí, como se vê, tudo podia ocorrer no domínio dos fatos puramente
físicos e fisiológicos. Sem sair desse círculo de idéias, havia
matéria para estudos sérios e dignos de fixar a atenção dos sábios.
Por que isso não aconteceu? É lamentável dizer, mas isso se prende
a causas que provam, entre mil fatos semelhantes, a leviandade do
espírito humano. Por se tratar de um objeto comum, no caso a mesa
que serviu de base às primeiras experiências, provocou a estranheza
e a indiferença dos sábios. Que influência, muitas vezes, não tem uma
palavra sobre as coisas mais sérias? Sem considerar que o movimen-
to poderia ser dado a um outro objeto qualquer, a idéia das mesas
prevaleceu, sem dúvida, porque esse era o objeto mais cômodo e ao
redor de uma mesa as pessoas se sentam com mais naturalidade do
que ao redor de qualquer outro móvel. Portanto, os homens de inteligência
superior são, algumas vezes, tão pretensiosos que não seria
nada impossível considerar que inteligências de elite tenham acreditado
que se rebaixariam caso se ocupassem daquilo que foi convencionado
chamar a dança das mesas. É mesmo provável que se o fenômeno
observado por Galvani o tivesse sido por homens comuns e
ficasse conhecido por um nome simples, ainda estaria rebaixado ao mesmo
plano da varinha mágica. Qual é, de fato, o sábio que não teria
julgado uma indignidade se ocupar da dança das rãs ?


Entretanto, alguns sábios, bastante modestos por admitir que a
natureza poderia muito bem não lhes ter dito sua última palavra, quiseram
ver, para tranqüilizar as suas consciências. Mas aconteceu que
o fenômeno nem sempre correspondeu à expectativa que tinham, e
como o fato não se produziu conforme a sua vontade e segundo seu
modo de experimentação, concluíram pela negativa. Apesar do que
decretaram, as mesas continuaram a girar, e podemos dizer como
Galileu: “Todavia elas se movem!” Diremos mais: “É que os fatos se
multiplicaram de tal modo que hoje têm direito à cidadania e que não se
trata senão de achar-lhes uma explicação racional”.


Pode-se deduzir algo contra a realidade de um fenômeno pelo fato
de ele não se produzir de um modo sempre idêntico, atendendo à vontade
e às exigências do observador? Acaso não estão os fenômenos da
eletricidade e da química também subordinados a certas condições?
Deve-se negá-los porque não se produzem fora dessas condições? Portanto,
não há nada de surpreendente em que o fenômeno do movimento
dos objetos pelo fluido humano também tenha suas condições para se
realizar e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se em
seu próprio ponto de vista, pretende fazer com que ele se realize conforme
o seu capricho ou submetê-lo às leis dos fenômenos conhecidos,
sem considerar que para os fatos novos pode e deve haver novas leis?
Portanto, para conhecer essas leis é preciso estudar as circunstâncias
em que os fatos se produzem, e esse estudo só pode ser fruto de uma
observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.


Mas algumas pessoas alegam que muitas vezes há fraudes evidentes.
Em primeiro lugar, devemos perguntar se estão bem certas disso e
se não tomaram por fraudes os efeitos que não conseguiram entender,
como o camponês que confundiu um sábio professor de física realizando
experiências como um mágico habilidoso. Mas, mesmo supondo que a
fraude pudesse acontecer algumas vezes, seria razão para negar o
fato? Deve-se negar a física porque há ilusionistas e mágicos que dão
a si mesmo o título de físicos? Aliás, é preciso levar em conta o caráter
das pessoas e o interesse que podiam ter em enganar. Então seria
um gracejo? Admite-se que uma pessoa possa se divertir por um instante,
mas uma brincadeira indefinidamente prolongada seria tão cansativa
para o mistificador quanto para o mistificado. De resto, numa
mistificação que se propaga de um lado a outro do mundo e entre
pessoas mais sérias, mais veneráveis e mais esclarecidas, haveria
algo tão extraordinário quanto o próprio fenômeno."
("O Livro dos Espíritos", Allan Kardec)

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