"As anêmonas em flor padeciam a constrição do calor e murchavam, deixando manchas
coloridas sobre o verde desbotado das ramagens ressequidas.
O dia amanhecera morno e a tórrida Judéia de solo calcionado, como o coração dos seus
habitantes, prenunciava calor sufocante.
Eles haviam chegado da Galiléia, em marcha tranqüila, passando pela povoações e casarios
esquecidos dos administradores, nos quais paravam para adquirir alimentos e conversar com
os aldeões.
Para aquelas gentes simples e sofridas das regiões remotas das cidades grandiosas, o
contato com Jesus significava uma primavera formosa explodindo luz e harmonia na acústica
das suas almas. Ademais, por onde Ele passava, mesmo que não se fizessem necessárias
as curas ostensivas, ou que não ocorressem de forma pujante, permaneciam suaves
aragens de paz e todos se sentiam reconfortados, tocados no recessos do ser.
Quem era Aquele homem que sensibilizava as multidões atraindo crianças ingênuas ao
regaço, anciãos ao acolhimento, enfermos à misericórdia, loucos e obsessos à paz e as
próprias condições difíceis da Natureza a uma alteração perceptível para melhor? -
Interrogavam-se todos quantos lhe sentiam a aura irradiante de amor.
Inevitavelmente permaneciam atraídos e mesmo quando não O podiam seguir, em razão das
circunstâncias do momento, jamais O esqueciam, aguardando que Ele voltasse entre hinos
de júbilo interno e esperanças renovadoras.
A Sua palavra cálida adquiria musicalidade especial de acordo com as ocasiões e
ocorrências, tendo modulações próprias para cada momento, penetrando na acústica da
alma de forma inesquecível.
É muito difícil conceber-se, na atualidade tumultuada da sociedade, o significado da
presença de Jesus e o convívio com Ele, em razão dos novos padrões comportamentais e
dos interesses em jogo de paixões agressivas e asselvajadas. Entretanto, numa pausa para
reflexão, numa silenciosa busca interior, num tranqüilo de espera, pode-se ter uma idéia do
grandioso significado da convivência pessoal com Ele.
Isto porque, as motivações sociais e econômicas do momento terrestre são muito
tormentosas e as conquistas parecem sem sentido após conseguidas, não preenchendo os
vazios do coração, que prosseguem inquieto, aguardando.
Aqueles eram diferentes, sim. Não obstante, as criaturas eram muito semelhantes às atuais,
em razão das suas necessidades espirituais que se apresentavam como angústias para
imediato atendimento, face ao desconhecimento das Leis soberanas da vida, que estavam
restritas aos impositivos da intolerância e às descabidas exigências políticas.
O ser humano sentia-se relativamente feliz quando podia desfrutar dos jogos da ilusória
ribalta dos prestígios econômicos, sociais e políticos, cujas vantagens sempre deixavam um
gosto azinhavrado de decomposição.
Sem uma visão profunda do significado da existência, sem uma psicologia pessoal mais
lúcida, após as mentirosas vitórias sentia-se frustrado, atirando-se nos fossos da
promiscuidade moral ou nas rampas da perversidade guerreira, quando esmagava outros e
consumia nas chamas da crueldade seus bens, seus animais, seus descendentes, que eram
reduzidos à ínfima condição de escravos.
A esperança de um libertador pairava em todas as pessoas de Israel, que desejava, por
outro lado, tornar-se uma Nação escravizadora, em revanche contra todos aqueles outros
povos que a afligiram. Não era um anseio justo e nobre para a conquista da liberdade, mas
uma ambição de vingança.
Surge Jesus e os olhos ansiosos das massas voltam-se para Ele com variados anelos que
se diversificam desde as necessidades orgânicas, às ambições guerreiras, às alucinadas
questões de supremacia de raça e de religião, esses pensamentos permanentes adversários
do processo de evolução do espírito humano.
A Sua, no entretanto, era outra missão: libertar o indivíduo de si mesmo, da inferioridade que
lhe predomina no caráter e nos sentimentos. É natural, portanto, que não fosse
compreendido, sequer por aqueles que estavam ao Seu lado, já que os interesses em pauta
eram tão divergentes.
A harmonia das Suas lições iam cantando uma sinfonia de esperança nos corações e a
música do seu conteúdo lentamente fixava-se na memória dos companheiros de ministério,
que ainda não haviam dado conta da magnitude do empreendimento. As revelações faziamse
lentamente, e como suave calor amadurece os frutos, assim Ele necessitava preparar os
seres para o entendimento.
Desse modo, após o formidando fenômeno da multiplicação dos pães e dos peixes, e após
orar, interrogou os amigos que estavam a Seu lado, sem a presença de estranhos no
convívio íntimo:
- Quem dizem as multidões que sou?
Tomados de surpresa com o inesperado da interrogação, Ele, que jamais indagava, por
conhecer a profundeza dos sentimentos humanos e a época em que estava, responderamlhe,
quase em uníssono, vários deles:
- João Batista - ; outros, - Elias - ; outros, - um dos antigos profetas ressuscitados.
Houve um silêncio quebrado levemente pela harmonias ambientais. Após alguns instantes,
Ele indagou sem rebuços:
- E vós, quem dizeis que eu sou?
A pergunta pairava no ar, quando Simão Pedro, tomando de súbita inspiração respondeu,
emocionado:
- O Messias de Deus.
Cantavam no ar morno da manhã as vibrações da imortalidade, e diáfana caravana de
Espíritos iluminados acompanhava esse momento que ficaria imorredouro na orquestração
da Boa Nova.
Ainda não passara a estupefação, quando Ele com o semblante iluminado, proibiu-os de falar
sobre o tema, adindo:
- O Filho do Homem tem que sofrer muito, ser rejeitado pelos anciões, pelos príncipes dos
sacerdotes e pelos escribas; tem que ser morto, e ao terceiro dia ressuscitar...
Estavam lançados os pilotis do reino de Deus, que o futuro deveria construir. Obra de tal
magnitude, num mundo de perversões e conflitos de valores que exigia o sacrifício da própria
vida daquele que a iniciasse. O anúncio da paixão e morte, no entanto, fazia-se precedido
pela glória da ressurreição, pelo triunfo do Dia sobre a noite, pela fulguração da imortalidade
sobre a transitoriedade física.
Ademais, a revelação do processo evolutivo era apresentada da maneira sutil com base na
crença dos hebreus, o golgue, a reencarnação do Espírito em novas roupagens terrestres.
Era crença secreta entre os sacerdotes, aquelas que se fundamenta no processo de
elevação espiritual através das existências sucessivas, como herança natural da longa
vivência no Egito com seus sacerdotes e intérpretes mediúnicos do Mais Além. Vedada ao
homem comum, transpirava em forma de aceitação natural a respeito da volta ao corpo físico
- reencarnação - e também mediante o aparecimento após a morte - ressurreição.
Jesus divulgava ambas realidades, ensinando que Ele ressurgiria dos mortos nas roupagens
espirituais, condensadas em admiráveis fenômeno de materialização, o que atestava ao
assentir ser João, o Batista, que morrera fazia pouco, no caso, reencarnados.
A sua encarnação trazia como razão precípua e única ensinar o caminho da autolibertação,
que o amor iluminado pelo conhecimento proporciona, encorajando os indivíduos ao esforço
inadiável pela autoconquista.
Espírito de escol, mergulhara nas sombras humanas como Estrela de primeira grandeza que
vencia a distância imensa do lugar onde irradiava luz e segurança, para que todos se
resolvessem por acompanhá-lo ao preço do sacrifício e da doação total.
Por isso, repetia, agora aos discípulos, o que anteriormente declarara a Nicodemos, em
silêncio e discrição: que era necessário nascer de novo.
A doutrina dos renascimentos era apresentada como o caminho para a Verdade e a Via, que
Ele próprio se fez.
O dia avançava e, substituindo o perfume das flores que emurcheciam, o ar parado
aumentando de temperatura impunha a necessidade de avançarem, margeando os
caminhos ásperos nos quais algumas árvores frondosas, sicômoros, figueiras, tamareiras
exuberantes ofereciam abrigo ao Sol inclemente.
O processo da reencarnação é o único que se coaduna com a justiça de Deus, oferecendo a
todos as mesmas oportunidades de evolução, mediante as quais, enriquece os Espíritos com
as conquistas nobres do pensamento e da emoção, depurando-se dos atavismos infelizes
que neles predominam como decorrência das experiências primitivas.
Graças a essa lei de causa e efeito, cada um é responsável pelas ocorrências do seu
deambular, tendo a liberdade de agir e a responsabilidade pelas conseqüências da sua
escolha.
O Filho do Homem, porém, iria sofrer sem nenhuma necessidade ou impositivo de evolução,
exclusivamente para dar testemunho de que a dor não tem caráter punitivo, mas também
funciona nos culpados, culpado que Ele não era, como recurso de autopurificação.
A Sua, era, portanto, uma dadivosa lição do amor e de encorajamento para todos quantos
atravessariam os portais da existência planetária tentando a conquista do infinito."
("Até o fim dos tempos", Amélia Rodrigues/Divaldo Franco)
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