"O grande adversário da soberba, filha dileta do egoísmo e do orgulho, é o despojamento.
Quando o indivíduo adquire a capacidade de libertar-se de amarras muito bem urdidas, que
o aprisionam no cárcere sem paredes das paixões primevas, nos quais se demora em círculo
vicioso de prazer vão, consegue auto-enfrentar-se, descobrindo os caprichos doentios do
ego e todos os disfarces de que se utiliza, a fim de permanecer dominando.
Vasculhando os sentimentos profundos, percebe que muitos dos fatores que lhe justificam
comportamentos enfermiços, com que se apresenta nos círculos sociais, são tramados por
esse famanaz do personalismo, que pretende dominar todas as paisagens onde se encontra,
dando origem ao orgulho, que é a matriz inditosa das discriminações condenáveis e das
atitudes criminosas.
Neles – no egoísmo e no orgulho – se centraliza a hediondez que conduz o indivíduo aos
desvãos da arrogância de falsa superioridade, de privilégios que exige por desfrutar, de
caprichos mórbidos que deseja impor.
A humildade, por sua vez, essa conquista insuperável da evolução, dando medida do
significado real do ser humano ante o Cosmo, é a combatente silenciosa e serena que vai
tomando posse das diversas áreas do sentimento, por verificar a rapidez com que passa a
fatuidade e como é destituída de sentido emocional e humano legítimo.
Estabelece, de imediato, a necessidade do despojamento dos valores que não tem
significado verdadeiro, porque são de constituição ilusória: títulos de nobreza, homenagens
de destaque na comunidade, de honradez, de coragem, de serviço ao próximo, de beleza, de
cultura, de arte, porque ao se modificarem as circunstâncias, ou passarem os
homenageadores, substituídos por outros que pensam de forma diferente, podem cassá-los,
ou as enfermidades, as fraquezas morais podem alterar o comportamento do elegido, que se
torna reprochável ou demente, agressivo ou extravagante, esnobe ou perverso.
Enquanto no corpo físico, o Espírito está sempre sujeito a muitas vicissitudes, devendo-se
impor vigilância constante e oração freqüente, para livrar-se da própria mesquinhez em
forma de paixões perturbadoras.
O indivíduo deve despojar-se de tudo quanto lhe é supérfluo.
Acumula coisas inúteis, na expectativa inviável de as utilizar algum dia, que nunca chega.
Reúne objetos, aos quais atribui significado, que permanecem sem alma, quando necessita
de companhia na solidão.
Guerreia por terras e campos de que se apropria, permitindo-se desmandos terríveis para
mantê-los, fomentando a miséria daqueles que os não possuem e combatendo os invasores
que não dispõem de teto, enquanto ele não tem a mínima necessidade de uma parte sequer
de tantos haveres...
Guarda roupas, calçados, adereços e jóias que atulham os armários e as gavetas, com
desmedida ambição, não os podendo usar, senão, a pouco e pouco, aumentando os estoques
ante a contínua variação da moda.
Coleciona automóveis, em inconcebível usura, quando somente de cada um deles se utiliza
uma que outra vez.
Sua contas bancárias, mortas em investimentos oscilantes, dariam, se aplicadas na
beneficência, no humanitarismo, que gerassem empregos e dignificassem os indivíduos,
para equacionar, senão minimizar os problemas da fome, das doenças endêmicas do
mundo, alterando completamente a geopolítica humana ora vigente.
A volúpia por adquirir instrumentos eletro–eletrônicos aturde, levando-o a exageros, quase
sem espaço para instalá-los e bem pouco fruí-los por falta de tempo hábil para tanto...
Mas o orgulho que exorbita, aumenta-lhes a emoção pela posse e os leva ao campeonato
da exibição social, quando se discutem as conquistas de breve duração.
O essencial é mais importante do que o supérfluo, que nunca tem utilidade para quem o
guarda.
Na alucinação que predomina no corre-corre das compras e do luxo, torna-se difícil
selecionar o que é valioso daquilo que apenas parece ser.
Somente aprendendo a técnica do despojamento, é que surge a liberdade, e por extensão, a
felicidade.
Reparte os excessos – o que não te faz falta – com aqueles que os necessitam, enriquecendo
outras vidas.
Valoriza o tempo, simplificando a tua existência, mediante a diminuição de objetos e
complexidades inúteis.
À medida que te fores liberando das coisas que te afligem por ter e por medo de perder, irão
surgindo espaços emocionais para que sejam colocadas outras aspirações que o tempo não
consome, os ladrões não roubam, nem as traças roem.
Áreas psíquicas que se encontram preenchidas por inutilidades imediatistas, cederão lugar
para que se instalem reflexões plenificadoras, êxtases refazentes e paz duradoura.
Despojando-te dos objetos exteriores, irás também desapegando-te dos vícios que te
escravizam, dissociando-te das injunções penosas que o egoísmo e o orgulho te impõem e
descobrindo a beleza do amor que se expande e que plenifica o coração.
Começa, portanto, despojando-te, desde este momento, de qualquer valor que não tem real
valor, e avança no rumo do despojamento espiritual das tuas vacuidades terrestres."
"("Dias Gloriosos", Joanna de Ângelis/Divaldo P. Franco)
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