"Um dos nossos correspondentes escreve de Milianah, Argélia:
“... A propósito do desprendimento
do Espírito, que se opera em todos durante o sono, meu guia espiritual
exercita-me em vigília. Enquanto o corpo está entorpecido, o Espírito se
transporta para longe, visita as pessoas e os lugares de que gosta e a
seguir volta sem esforço. O que me parece mais surpreendente é que,
enquanto estou como que em catalepsia, tenho consciência desse
desprendimento. Exercito-me também no recolhimento, o que me proporciona
a agradável visita de Espíritos simpáticos,
encarnados e desencarnados. Este último estudo só ocorre durante a
noite, pelas duas ou três horas, e quando o corpo, repousado, desperta.
Fico alguns instantes à espera, como depois de uma evocação. Então sinto
a presença do Espírito por uma impressão física, e logo surge em meu
pensamento uma imagem que me faz reconhecê-lo. Estabelece-se a conversa
mental, como na comunicação intuitiva, e esse gênero de conversa tem
algo de adoravelmente íntimo. Muitas vezes meu irmão e minha irmã,
encarnados, me visitam, às vezes acompanhados por meu pai e minha mãe,
do mundo dos Espíritos.
“Há bem poucos dias recebi vossa
visita, caro mestre, e pela suavidade do fluido que me penetrava, eu
julgava que fosse um dos nossos bons protetores celestes; imaginai a
minha alegria ao reconhecer, em meu pensamento, ou melhor, no meu
cérebro, como que o próprio timbre de vossa voz. Lamennais nos deu uma
comunicação a esse respeito e deve encorajar os meus esforços. Eu não
poderia dizer-vos do encanto que dá esse gênero de mediunidade. Se
tiverdes junto de vós alguns médiuns intuitivos, habituados ao
recolhimento e à tensão de espírito, eles podem tentar também. Evoca-se
e, em vez de escrever, conversa-se, exprimindo bem as ideias, sem
prolixidade.
“Meu guia muitas vezes me fez a
observação de que eu tinha um Espírito sofredor, um amigo que vem
instruir-se ou buscar consolações. Sim, o Espiritismo
é um benefício precioso: abre um vasto campo à caridade, e aquele que
está inspirado por bons sentimentos, se não puder vir em socorro de seu
irmão materialmente, sempre o pode espiritualmente.”
Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, certamente
não é adequada para convencer os incrédulos, porque nada tem de
ostensivo, nem desses efeitos que ferem os sentidos. É toda para a
satisfação íntima de quem a possui. Mas também é preciso reconhecer que
se presta muito à ilusão e que é o caso de desconfiar das aparências.
Quanto à existência da faculdade, não se poderia duvidar. Pensamos mesmo
que deve ser a mais frequente, porque é considerável o número das
pessoas que, no estado de vigília, sofrem a influência dos Espíritos
e recebem a inspiração de um pensamento que sentem não ser seu. A
impressão agradável ou penosa que por vezes se sente à vista de alguém
que se encontra pela primeira vez; o pressentimento da aproximação de
uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento, são outros
tantos efeitos devidos à mesma causa e que constituem uma espécie demediunidade,
que se pode dizer universal, pois todos possuem pelo menos os seus
rudimentos. Mas, para experimentar seus efeitos marcantes é necessária
uma aptidão especial, ou melhor, um grau de sensibilidade mais ou menos
desenvolvido, conforme os indivíduos. Sob esse ponto de vista, como
temos dito há muito tempo, todos são médiuns, e Deus não deserdou
ninguém da preciosa vantagem de receber os salutares eflúvios do mundo
espiritual, que se traduzem de mil e uma maneiras diferentes. Mas as
variedades que existem no organismo humano não permitem a todos receber
efeitos idênticos e ostensivos.
Tendo sido discutida esta questão na Sociedade de Paris, as instruções seguintes foram dadas a respeito, por diversos Espíritos.
I
É possível desenvolver o sentido
espiritual, como diariamente se vê desenvolver-se uma aptidão por um
trabalho constante. Ora, sabei que a comunicação do mundo incorpóreo com
os vossos sentidos é constante: ela se dá a toda hora, a cada minuto,
pela lei das relações espirituais. Que os encarnados ousem aqui negar
uma lei da própria Natureza!
Acabam de dizer-vos que os Espíritos
se veem e se visitam uns aos outros durante o sono: tendes muitas
provas. Por que quereríeis que isto não ocorresse em vigília? Os Espíritos
não têm noite. Não. Eles estão constantemente ao vosso lado; eles vos
vigiam; vossos familiares vos inspiram, vos suscitam pensamentos, vos
guiam; eles vos falam e vos exortam; eles protegem os vossos trabalhos,
ajudam-vos a elaborar os vossos desígnios formados pela metade e os
vossos sonhos ainda vacilantes; anotam vossas boas resoluções; lutam
quando lutais. Eles estão aí, esses bons amigos, no fim de vossa
encarnação; eles vos riem no berço, vos esclarecem nos estudos; depois
se envolvem em todos os atos de vossa passagem aqui na Terra; oram
quando vos veem preparando-vos para irdes encontrá-los.
Oh! não, jamais negueis vossa
assistência diária; jamais negueis vossa mediunidade espiritual, porque
blasfemais contra Deus, e seríeis taxados de ingratidão pelos Espíritos que vos amam.
H. DOZON
(Médium: Sr. Delanne.)
II
Sim, esse gênero de comunicação
espiritual é mesmo uma mediunidade, como, aliás, tendes ainda outros a
constatar no curso de vossos estudos espíritas. É
uma espécie de estado cataléptico muito agradável para quem o
experimenta. Ele proporciona todas as alegrias da vida espiritual à alma
prisioneira, que aí encontra um encanto indefinível, que gostaria de
experimentar sempre. Mas é preciso voltar de qualquer modo, e,
semelhante ao prisioneiro ao qual permitem tomar ar num prado, a alma
entra constrangida na célula humana.
É uma mediunidade muito agradável
esta que permite a um Espírito encarnado ver os velhos amigos, poder
conversar com eles, comunicar-lhes suas impressões terrenas e poder
expandir o coração no seio de amigos discretos que não procuram achar
ridículo o que lhes confiais, mas antes vos dar bons conselhos, se vos
forem úteis. Esses conselhos, dados assim, têm mais peso para o médium
que os recebe, porque o Espírito que lhos dá, a ele se mostrando, deixou
uma impressão profunda em seu cérebro, e, por este meio, gravou melhor
em seu coração a sinceridade e o valor desses conselhos.
Essa mediunidade existe no estado
inconsciente em muitas pessoas. Sabei que há sempre perto de vós um
amigo sincero, sempre pronto a sustentar e a encorajar aquele cuja
direção lhe é confiada pelo Todo-Poderoso. Não, meus amigos, esse apoio
não vos faltará jamais; cabe-vos saber distinguir as boas inspirações
entre todas as que se chocam no labirinto de vossas consciências.
Sabendo compreender o que vem do vosso guia, não vos podeis afastar do
reto caminho que toda alma que aspira à perfeição deve seguir.
Espírito Protetor
(Médium: Sra. Causse).
III
Já vos foi dito que a mediunidade se revelaria por diferentes formas. A que vosso Presidente qualificou de mental está bem definida. É o primeiro degrau da mediunidade vidente e falante.
O médium falante entra em comunicação com os Espíritos
que o assistem, fala com eles; seu Espírito os vê, ou melhor, os
adivinha; nada mais faz senão transmitir o que lhe dizem, enquanto o
médium mental pode, se for bem formado, dirigir perguntas e receber
respostas, sem a intermediação da pena ou do lápis, mais facilmente que o
médium intuitivo, porque aqui o Espírito do médium, estando mais
desprendido, é um intérprete mais fiel. Mas para isto é necessário um
ardente desejo de ser útil, trabalhar com vistas ao bem, com um
sentimento puro, isento de todo pensamento de amor-próprio e de
interesse. De todas as faculdades mediúnicas é a mais sutil e a mais
delicada. O menor sopro impuro basta para manchá-la. É apenas nessas
condições que o médium mental obterá provas da realidade das
comunicações. Logo vereis surgir entre vós médiuns falantes que vos
surpreenderão por sua eloquência e por sua lógica.
Esperai, pioneiros que tendes
pressa de ver vossos trabalhos crescerem; novos obreiros virão reforçar
vossas fileiras, e este ano verá concluir-se a primeira grande fase do Espiritismo e começar outra não menos importante.
E vós, caro mestre, que Deus
abençoe os vossos trabalhos; que ele vos sustente e nos conserve o favor
especial que nos concedeu, permitindo-nos guiar-vos e sustentar-vos em
vossa tarefa, que é também a nossa.
Como Presidente Espiritual da
Sociedade de Paris, velo por ela e por cada membro em particular, e rogo
ao Senhor que espalhe sobre vós todas as suas graças e as suas bênçãos.
S. LUÍS
(Médium: Sra. Dellane).
IV
Seguramente, meus amigos, a mediunidade, que consiste em conversar com os Espíritos,
como com pessoas que vivem a vida material, desenvolver-se-á mais à
medida que o desprendimento do Espírito se efetuar com mais facilidade,
pelo hábito do recolhimento. Quanto mais avançados moralmente forem os Espíritos
encarnados, maior será essa facilidade das comunicações. Assim como
dizeis, ela não será de uma importância muito grande do ponto de vista
da convicção a dar aos incrédulos, mas tem para aquele que lhe é objeto
uma grande doçura, e o ajuda a desmaterializar-se cada vez mais. O
recolhimento, a prece, este impulso da alma junto ao seu Autor, para lhe
exprimir seu amor e seu reconhecimento, solicitando ainda o seu
socorro, são os dois elementos da vida espiritual; são eles que derramam
na alma esse orvalho celeste que ajuda o desenvolvimento das faculdades
que aí estão em estado latente. Como são infelizes os que dizem que a
prece é inútil porque não modifica os desígnios de Deus! Sem dúvida as
leis que regem as diversas ordens de fenômenos não serão perturbadas ao
bel-prazer deste ou daquele, mas a prece não tem por efeito senão
melhorar o indivíduo que, por esse ato, eleva seu pensamento acima das
preocupações materiais, motivo pelo qual ele não deve negligenciá-la.
É pela renovação parcial dos indivíduos que a Sociedade acabará por regenerar-se, e Deus sabe se ela precisa disso!
Ficais revoltados quando pensais
nos vícios da sociedade pagã, ao tempo em que o Cristo veio trazer sua
reforma humanitária; mas em vossos dias, os vícios, por serem velados
sob formas mais marcantes de polidez e de educação, não deixam de
existir. Eles não têm magníficos templos, como os da Grécia Antiga, mas
ah! Eles os têm no coração da maior parte dos homens e causam entre eles
as mesmas devastações que ocasionavam entre os que precederam a era
cristã. Não é, pois, sem uma grande utilidade que os Espíritos
vieram lembrar os ensinamentos dados há dezoito séculos, porquanto,
tendo-os esquecido ou mal compreendido, vós não podeis aproveitá-los e
espalhá-los segundo a vontade do divino crucificado.
Agradecei, pois, ao Senhor, vós todos que fostes chamados a cooperar na obra dos Espíritos, e que o vosso desinteresse e vossa caridade jamais enfraqueçam, porque é nisto que se conhecem entre vós os verdadeiros espíritas.
LUÍS DE FRANÇA
(Médium: Sra. Breul)
("Revista Espírita", Allan Kardec - Março de 1866)
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