"Extrato
de uma carta do abade Lacordaire à Sra. Swetchine, datada de Flavigny,
29 de junho de 1853, tirada de sua correspondência publicada em 1865.
"Vistes girar e ouvistes falar das mesas? - Desdenhei vê-las girar, como uma coisa muito simples, mas ouvi e fiz que elas falassem. Elas
me disseram coisas muito admiráveis sobre o passado e sobre o presente.
Por mais extraordinário que isto seja, é para um cristão que acredita
nos Espíritos um fenômeno muito vulgar e muito pobre. Em todos os tempos houve modos mais ou menos bizarros para se comunicar com os Espíritos; apenas
outrora se fazia mistério desses processos, como se fazia mistério da
Química. A Justiça, por meio de execuções terríveis, enterrava essas
estranhas práticas na sombra. Hoje, graças à liberdade dos cultos e à
publicidade universal, o que era um segredo tornou-se uma fórmula
popular. Talvez, também, por essa divulgação, Deus queira harmonizar o
desenvolvimento das forças espirituais ao desenvolvimento das forças
materiais, para que o homem não esqueça, em presença das maravilhas da
mecânica, que há dois mundos inseridos um no outro: o mundo dos corpos e o mundo dos Espíritos.
É
provável que esse desenvolvimento paralelo continue crescendo até o fim
do mundo, o que trará um dia o reino do Anticristo, onde se verá, de um
lado e do outro, para o bem e para o mal, o emprego de armas
sobrenaturais e prodígios pavorosos. Disto não concluo que o Anticristo
esteja próximo, porque as operações que testemunhamos nada têm, salvo a
publicidade, de mais extraordinário do que o que se via outrora. Os
pobres incrédulos devem estar bastante inquietos com sua razão, mas eles
têm o recurso de acreditar em tudo para fugir da verdadeira fé, e não
falharão. Ó profundeza dos desígnios de Deus!"
O
abade Lacordaire escrevia isto em 1853, isto é, quase no começo das
manifestações, numa época em que esses fenômenos eram muito mais um
objeto de curiosidade do que assunto de meditações sérias. Embora nessa
época eles não se tivessem constituído em ciência nem em corpo de
doutrina, ele tinha entrevisto sua importância e, longe de considerá-los
como uma coisa efêmera, previa o seu desenvolvimento no futuro. Sua
opinião sobre a existência e a manifestação dos Espíritos
é categórica. Ora, como ele é tido, geralmente, por todo mundo, como
uma das altas inteligências deste século, parece difícil colocá-lo entre
os loucos, depois de havê-lo aplaudido como homem de grande senso e de
progresso. Pode-se, portanto, ter senso comum e crer nos Espíritos.
Diz
ele que as mesas falantes são “um fenômeno muito vulgar e muito pobre”;
bem pobre, com efeito, quanto à maneira de comunicar-se com os Espíritos, porque se não se tivessem tido outros, o Espiritismo
quase não teria avançado; naquele tempo, mal se conheciam os médiuns
escreventes e não se suspeitava o que iria sair desse meio aparentemente
tão pueril. Quanto ao reino do Anticristo, Lacordaire parece não se
amedrontar muito, porque não o vê chegar tão depressa. Para ele, essas
manifestações são providenciais; elas devem perturbar e confundir os incrédulos; nelas
ele admira a profundeza dos desígnios de Deus; elas não são, pois, obra
do diabo, que deve estimular a renegar Deus e a não reconhecer o seu
poder.
O
trecho acima, da correspondência de Lacordaire, foi lido na Sociedade
de Paris, na sessão de 18 de janeiro; nessa mesma sessão o Sr. Morin, um
de seus médiuns escreventes habituais, adormeceu espontaneamente sob a
ação magnética dos Espíritos; era a terceira vez
que nele se produzia esse fenômeno, pois habitualmente só adormece pela
magnetização ordinária. Em seu sono ele falou sobre vários assuntos e
de diversos Espíritos presentes, cujo pensamento nos transmitiu. Entre outras coisas disse o seguinte:
“Um
Espírito que todos conheceis, e que também reconheço; um Espírito de
grande reputação terrena, elevado na escala intelectual dos mundos, está
aqui. Espírita antes do Espiritismo,
eu o vi ensinando a doutrina, não mais como encarnado, mas como
Espírito. Vi-o pregando com a mesma eloquência, com o mesmo sentimento
de convicção íntima que quando vivo, o que não teria ousado pregar
abertamente do púlpito, mas aquilo a que conduziam os seus ensinamentos.
Vi-o pregar a doutrina aos seus, à sua família, a todos os seus amigos.
Vi-o desesperar-se, embora em estado espiritual, quando encontrava um
cérebro refratário ou uma resistência obstinada às inspirações que ele
insuflava, sempre vivo e impetuoso, querendo fazer penetrar a convicção
nas inteligências, como se faz penetrar na rocha viva o buril
impulsionado por vigorosa martelada. Mas este não entra tão depressa;
contudo, sua eloquência converteu vários. Este Espírito é o do abade
Lacordaire.
“Ele
pede uma coisa, não por orgulho, por um interesse pessoal qualquer, mas
no interesse de todos e para o bem da Doutrina: a inserção na Revista do
que ele escreveu há treze anos. Se peço tal inserção, diz ele, é por
dois motivos: o primeiro porque mostrareis ao mundo que, como dizeis,
pode-se não ser tolo e crer nos Espíritos, e o
segundo é que a publicação dessa primeira citação permitirá que se
descubram em meus escritos outras passagens que serão consideradas como
concordes com os princípios do Espiritismo”."
("Revista Espírita", Allan Kardec - Fevereiro de 1867)
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