terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"DIVERSIDADE DOS ESPÍRITOS"





"Visitante – Falais de Espíritos bons ou maus, sérios ou levianos; eu não me explico, confesso, essa diferença. Parece-me que, deixando seu envoltório corporal, eles devem se despojar das imperfeições inerentes à matéria; que a luz deve se fazer para eles sobre todas as verdades que nos são ocultas e que eles devem estar isentos dos preconceitos terrestres.


A.K. – Sem dúvida, eles estão livres das imperfeições físicas, quer dizer, das doenças e enfermidades do corpo; mas as imperfeições morais são do Espírito e não do corpo. Entre eles há os que estão mais ou menos avançados intelectual e moralmente. Seria um erro crer-se que os Espíritos, deixando seu corpo material, são subitamente atingidos pela luz da verdade. Credes, por exemplo, que quando morrerdes não haverá nenhuma diferença entre vosso Espírito e o de um selvagem ou o de um malfeitor? Se fora assim, de que vos serviria ter trabalhado pela vossa instrução e aprimoramento, uma vez que um vadio seria tanto quanto vós depois da morte? O progresso dos Espíritos não se realiza senão gradualmente e, algumas vezes, bem lentamente. Entre eles, e isso depende da sua depuração, há os que vêem as coisas sob um ponto de vista mais justo que em sua vida física; outros, ao contrário, têm as mesmas paixões, os mesmos preconceitos e os mesmos erros, até que o tempo e novas provas lhes tenham permitido se esclarecerem. Notai bem que isto é um resultado da experiência, porque é assim que eles se apresentam a nós em suas comunicações. É, pois, um princípio elementar do Espiritismo que, entre os Espíritos, há os de todos os graus de inteligência e de moralidade.


Visitante – Mas, então, por que os Espíritos não são todos perfeitos? Deus, pois, os criou de todas as categorias.


A.K. – Igualmente gostaria de perguntar por que todos os alunos de um colégio não estão em filosofia. Os Espíritos têm, todos, a mesma origem e a mesma destinação. As diferenças que existem entre eles não constituem espécie distinta, mas diversos graus de adiantamento. Os Espíritos não são perfeitos porque são as almas dos homens e os homens não são perfeitos; pela mesma razão os homens não são perfeitos porque são a encarnação de Espíritos mais ou menos avançados. O mundo corporal e o mundo espiritual se derramam incessantemente um sobre o outro; pela morte do corpo, o mundo corporal fornece seu contingente ao mundo espiritual e, pelo nascimento, o mundo espiritual alimenta a Humanidade. A cada nova existência, o Espírito realiza um progresso mais ou menos grande, e quando adquire sobre a Terra a soma de conhecimentos e elevação moral que comporta nosso globo, ele o troca para passar a um mundo mais elevado, onde aprende coisas novas.


Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são, de alguma sorte, o reflexo do mundo corporal; encontram-se aí os mesmos vícios e as mesmas virtudes. Há entre eles sábios, ignorantes e falsos sábios, prudentes e estouvados, filósofos, raciocinadores e sistemáticos. Não se tendo desfeito de todos os seus


preconceitos, todas as opiniões políticas e religiosas têm aí seus representantes. Cada um fala segundo as suas idéias e o que dizem, freqüentemente, não é senão sua opinião pessoal. Eis porque não é preciso acreditar cegamente em tudo o que dizem os Espíritos.


Visitante – Se assim é, eu percebo uma grande dificuldade. Nesse conflito de opiniões diversas, como distinguir o erro da verdade? Eu não vejo que os Espíritos nos sirvam para grande coisa e tenhamos a ganhar com sua conversação.


A.K. – Não servissem os Espíritos senão para nos ensinar que há Espíritos e que esses Espíritos são as almas dos homens, não seriam de uma grande importância para todos aqueles que duvidam que têm uma alma e que não sabem em que se tornarão depois da morte?


Como todas as ciências filosóficas, esta exige longos estudos e minuciosas observações; é então que se aprende a distinguir a verdade da impostura, e os meios de afastar os Espíritos mentirosos. Acima dessa turba de Espíritos inferiores, há os Espíritos superiores que não têm em vista senão o bem e que têm por missão conduzir os homens ao bom caminho. Cabe a nós saber apreciá-los e compreendê-los. Estes nos ensinam grandes coisas, mas, não credes que o estudo dos outros seja inútil; para conhecer um povo é preciso examiná-lo sob todas as suas faces. Disso vós mesmos sois a prova; pensáveis que bastaria aos Espíritos deixarem seu envoltório corporal para se despojarem de suas imperfeições. Ora, foram as comunicações com eles que nos ensinaram o contrário, e nos fizeram conhecer o verdadeiro estado do mundo espiritual, que nos interessa a todos no mais alto grau, uma vez que para lá devemos ir. Quanto aos erros que podem nascer da divergência de opinião entre os Espíritos, por si mesmos desaparecem, à medida que se aprende a distinguir os bons dos maus, os sábios dos ignorantes, os sinceros dos hipócritas, da mesma forma como entre nós; então o bom senso faz justiça às falsas doutrinas.


Visitante – Minha observação subsiste sempre no ponto de vista das questões científicas e outras a que se pode submeter os Espíritos. A divergência de suas opiniões sobre as teorias que dividem os sábios, nos deixam na incerteza. Eu compreendo que, não tendo todos o mesmo grau de instrução, não podem tudo saber. Então, qual o peso que pode ter para nós a opinião daqueles que sabem, se não podemos verificar se têm, ou não têm, razão? Tem igual valor dirigir-se aos homens ou aos Espíritos.


A.K. – Essa reflexão é ainda uma conseqüência da ignorância do verdadeiro caráter do Espiritismo. Aquele que crê nele encontrar um meio fácil de tudo saber, de tudo descobrir, incorre em um grande erro. Os Espíritos não estão encarregados de nos trazerem a ciência pronta. Seria, com efeito, muito cômodo se nos bastasse perguntar para sermos esclarecidos, poupando-nos assim o trabalho de pesquisa. Deus quer que trabalhemos, que nosso pensamento se exercite, e será a esse preço que adquiriremos a ciência. Os Espíritos não vêm nos livrar dessa necessidade; eles são o que são e o Espiritismo tem por objeto estudá-los, a fim de saber, por analogia, o que seremos um dia e não de nos fazer conhecer o que nos deve estar oculto, ou nos revelar as coisas antes do tempo.


Os Espíritos já não podem ser tidos como ledores de sorte, e quem quer que se iluda de obter deles certos segredos, que se prepare para estranhas decepções por parte dos Espíritos zombeteiros. Em uma palavra, o Espiritismo é uma ciência de observação e não uma ciência de adivinhação ou de especulação. Estudamo-lo para conhecer o estado das individualidades do mundo invisível, as relações que existem entre elas e nós, sua ação oculta sobre o mundo visível, e não pela utilidade material que dele possamos tirar. Sob esse ponto de vista, não há nenhum Espírito cujo estudo nos seja inútil, pois aprendemos alguma coisa com todos eles; suas imperfeições, seus defeitos, sua incapacidade, e mesmo sua ignorância, são igualmente objetos de observação que nos iniciam no estudo da natureza íntima desse mundo. Quando não são eles que nos instruem pelos seus ensinamentos, somos nós que nos instruímos estudando-os, como o fazemos quando estudamos os costumes de um povo que desconhecemos. Quanto aos Espíritos esclarecidos, eles nos ensinam muito, mas no limites das coisas possíveis, não precisando perguntar-lhes o que eles não podem, ou não devem, nos revelar. É preciso contentar-se com aquilo que nos dizem, pois, ir além é expor-se às mistificações dos Espíritos levianos, sempre prontos para responderem a tudo. A experiência nos ensina a discernir o grau de confiança que lhes podemos dar."
("O que é o Espiritismo", Allan Kardec)

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