"Nunca me esquecerei de uma palestra que proferi em uma pequena cidade do interior do estado de São Paulo.
Curiosamente, o único lugar disponível para a realização do nosso encontro era um cabaré, uma casa noturna. Dr. Flávio Pinheiro, o amigo que organizava o evento, esclareceu-me a situação:
— Divaldo, o único salão que há é o lugar de prazeres da cidade, pois a escola que havíamos reservado está interditada. Infelizmente choveu muito e os alicerces foram abalados. Você iria ao cabaré?
Eu respondi-lhe afirmativamente, interrogando-o:
— Como eu não iria?! Eu vou muito a ambientes como esse para visitar pessoas doentes, cumprindo a minha obrigação de exercitar a fraternidade. O problema é se as pessoas da cidade iriam à palestra num local incomum como esse.
— Se eu pedir, eles irão. Eu vou telefonar à esposa do prefeito, pois ela é espírita.
— E a esposa do juiz?
— Ela também o é. E se as duas forem à palestra todo mundo irá. Muita gente irá somente para ver quem estará presente! Então, irá todo mundo...
Ele convidou, e a esposa do juiz respondeu com muito entusiasmo:
— Eu tinha desejo de entrar num lugar desses para ver o que há por lá! Graças ao Espiritismo, finalmente irei conhecer!
Portanto, quando o meu amigo recorreu aos responsáveis pelo estabelecimento, pedi-lhe para ir antes ao local a fim de ver o ambiente. As pinturas eram muito “animadas”, o que nos levou a cobril-as com lençóis, que foram devidamente lavados e higienizados com produtos químicos. Pari tornar
o ambiente mais agradável, ele mandou lavar o piso com detergente. Por fim, colocou cadeiras para a palestra.
À noite, seguimos ao local anunciado. As senhoras e os cavalheiros, muito circunspectos, ficaram à porta de entrada. Eu cheguei com o Dr. Flávio, que era um médico muito bom e amado na cidade, e estranhamos que ninguém entrava. Ao vê-los naquela postura de receio, o nobre amigo comentou:
— A palestra será lá dentro! Não há motivo para ficarmos aqui.
O prefeito e o juiz, com suas respectivas esposas, tomaram a frente e entraram com imponência.
Vencendo o receio, todos começaram a segui-los para o interior do edifício, inclusive eu. Quando entramos, as pessoas que estavam curiosas ficaram decepcionadas porque não havia nada demais,
além dos quadros cobertos com lençóis brancos e o odor de detergente no ambiente.
Na palestra, eu aproveitei para falar sobre a história de Maria de Magdala, um tema apropriado para o local.
Ao terminar, comecei a atender a fila de pessoas que me cumprimentavam. Entre elas estava uma jovem, já num dos últimos lugares da fila, que se aproximou e timidamente falou-me:
— Ah! Eu queria tanto conhecer o senhor! Eu tive tanta dificuldade para vir!
Eu não entendi de imediato as razões dela, já que se tratava de uma cidade pequena e praticamente sem maiores problemas para as pessoas se deslocarem.
— Mas por que você teve tantas dificuldades, minha jovem?
— Porque ali na entrada havia um soldado separando quem entrava e quem não entrava. E eu sou uma mulher da noite.
Eu estava um pouco deslocado porque o nosso diálogo ocorria logo depois da palestra. Às vezes, durante a minha exposição, fico imerso em outra psicosfera. Demora um pouco para retornar à realidade objetiva. Daí, eu pensei: “O que será uma dama da noite?”. Mesmo sem entender, eu sorri para ela e continuamos conversando:
— E você gostou da palestra?
— Gostei, sim, senhor! Porque Maria de Magdala era igual a mim.
Somente, nesse instante, eu compreendi a realidade que moldava o sofrimento daquela jovem.
Ela insistiu nas explicações sobre a sua entrada no evento:
— Como eu disse ao senhor, quase que não consigo entrar aqui. Eu sou frequentadora da casa.
Mas hoje foi proibido pra nós. A polícia ficou vigiando tudo e nós somente poderíamos entrar depois da 1h da madrugada. Agora, era a festa só para os ricos. Então eu fiquei curiosa para saber o que iria acontecer aqui. Só entrei porque o guarda que controlava a porta também é meu cliente. Por
isso, ele me deixou passar, mas exigiu que eu trocasse de roupa. Eu estava vestida com a roupa do trabalho. Então eu me vesti como gente direita e vim. Gostei muito da sua palestra e fiquei apaixonada por Maria de Magdala! Eu gostaria muito de deixar esta vida! O que eu farei? Porque eu
sou daqui desta casa...
— Não, você não é daqui! Você está passando por aqui! Daqui é o piso, é o telhado, é a parede... Isto tudo vai ficar aqui. Você, não! Você está em trânsito.
Eu olhei-a bem, que era tão jovem e tão sofrida, e indaguei:
— Minha filha, por que você trabalha nessa profissão?
— Porque é a única coisa que eu sei fazer. Eu sou analfabeta. Não sei nada da vida.
Entendendo que ela necessitaria de mais tempo para receber orientações, propus-lhe:
Você gostaria de conversar comigo?
— Ah! Gostaria!
— Ouça minha filha, eu não poderei conversar mais com você agora porque tenho um compromisso dentro de alguns minutos. Mas se você quiser ir à casa do Dr. Flávio para conversarmos após a reunião, será muito bem recebida.
— Ah, Seu Divaldo, à casa do Dr. Flávio eu não irei! E porque ele é o médico do Posto de Saúde que me examina toda semana.
— Por que você não irá? Ele proíbe?
— O senhor sabe... Se uma mulher como eu for assim à casa dele será um escândalo! Será que ele me aceita?
— Creio que sim, se ele de fato for espírita. Vamos verificar.
Na mesma hora eu chamei o meu amigo para comunicar-lhe o desejo de atender à jovem, aguardando que ele, como verdadeiro espírita, não se opusesse. Ele era um homem admirável e eu lhe expliquei a situação:
— Dr. Flávio, eu convidei a nossa irmã para ir à sua casa conversar comigo. O senhor nos permite?
O caro amigo aquiesceu, o que provava que ele não era espírita somente no Centro, conforme acontece com outras pessoas. Há pessoas que dizem aderir ao Espiritismo, mas não procedem conforme nos recomenda o espírito de fraternidade sem julgamento.
— Claro, Divaldo! Minha casa está aberta! Você poderá convidar quem quiser. Será um prazer!
E voltando para ela falou lhe, gentilmente:
— Vá sim, minha cara! Quando você chegar, provavelmente nós não estaremos. Você entra e nos aguarda.
Desta forma, combinamos que eu atenderia ao meu compromisso e por volta da meia-noite, estaria de volta para vê-la.
Era o mês de junho e fazia muito frio. Quando chegamos à casa do Dr. Flávio, a jovem estava debaixo de uma árvore, tremendo de frio e aguardando-nos. Eu lhe indaguei:
— Por que você não entrou minha filha? Está frio!
— Eu fiquei com vergonha, Seu Divaldo!
E após algumas palavras de saudação, todos entramos na residência.
A família foi muito acolhedora com ela. Sentamo-nos na sala e eu atendi os convidados que o anfitrião havia chamado para nos cumprimentar. Depois que todos se foram eu comentei com ela:
— Agora, minha filha, poderemos conversar a noite toda, se for necessário!
— Eu já estou acostumada, Seu Divaldo. A noite é o meu dia.
— Eu também digo o mesmo! Também sou uma pessoa da noite! Adoro a noite, pois que trabalho muito nesse período!
Falei em um tom muito bem-humorado e expliquei-lhe que tenho por hábito, desde jovem, visitar pela madrugada pessoas doentes, obsidiadas ou com outros problemas, assim que concluo a palestra e o atendimento na Mansão do Caminho.
Dialogamos bastante. Ela era como uma filha que Deus me enviava de volta ao coração!
Quando se estava despedindo, ela comentou:
— O senhor nunca se vai arrepender do tempo que perdeu comigo!
— Mas eu não perdi tempo nenhum! Eu usei este tempo em sua companhia porque escolhi assim. E agradeço a você por ter-me dado a honra de vir conversar comigo!
Quando terminou nosso diálogo e ela finalmente se foi, já eram 5h da manhã. As 6h já deveríamos estar na estrada para seguir a uma cidade vizinha. Lavei o rosto, tomei um café ligeiro e viajamos.
Muitos anos se passaram após este episódio.
Dez anos depois eu voltei àquela cidade. Fiz a palestra em outro auditório e notei que a cidade havia progredido muito. Ao longo dos anos o município ficou conhecido como “a cidade dos bordados”.
Quando eu terminei a palestra, fui atender à fila e vi uma senhora linda, com um senhor mais velho ao seu lado. Ela deveria ser uns vinte anos mais jovem do que ele.
Ao chegar o momento de atendê-los, ela me deu um abraço com emoção indescritível e me perguntou:
— O senhor lembra-se de mim, senhor Divaldo?
— Claro que eu me lembro!
Realmente ela havia mudado muito, mas eu a reconheci imediatamente ao ouvir a sua voz. O senhor ao seu lado não pronunciou muitas palavras. Permaneceu reticente.
— Eu quero apresentar-lhe o meu marido — falou-me.
O marido aproximou-se e estendeu-me a mão com toda timidez, como é comum em muitas pessoas simples do interior.
— Meus parabéns! — congratulei-me com o cavalheiro. — Que boa escolha você fez ao se casar com ela!
A senhora fez uma pausa, olhou para o marido com ternura e prosseguiu:
— Seu Divaldo, eu gostava que o senhor fosse tomar o café da manhã lá em casa.
— Minha filha, eu não posso. Porque logo cedo eu viajarei a outra cidade e não posso atrasar-me.
Minha vida é como a dos ciganos. Eu monto o acampamento, a polícia vem, desmonta e eu mudo de lugar...
— Mas seria tão bom que o senhor fosse...
— Infelizmente, fica muito difícil. Eu darei uma entrevista em um programa de rádio às l0h e me levantarei muito cedo para evitar imprevistos,
Naquele tempo, muitas estradas não eram asfaltadas e os atrasos tornavam se constantes.
— O senhor irá levantar-se muito cedo mesmo?
— Irei sim.
— Então faça um esforço para se levantar um pouco mais cedo e passar lá em casa. Dr. Flávio sabe onde nós moramos.
Eu olhei para o meu anfitrião e ele balançou a cabeça, afirmativamente.
— Está bem. Eu tomarei café com vocês. Mas não faça nada demais. Somente o café, o leite, o bolo, o pão, o queijo, a manteiga... Essas bobagens que não são quase nada... E não se esqueça da batata cozida!
Todos sorrimos. Ela riu bastante e ele também, que até então estava com a fisionomia muito séria e em uma postura retraída. Na hora das despedidas ele me deu um abraço caloroso.
Nessa noite, eu quase não consegui dormir! A expectativa em ver as transformações que o amor de Deus pode produzir causou-me enorme ansiedade.
No dia seguinte, levantamo-nos às 5h. Fomos visitá-los às 5h30 para depois continuamos a viagem.
Quando chegamos, ela estava na porta com uma criança nos braços, o marido e mais oito crianças cujas idades formavam uma verdadeira escada descendente.
Em seguida, entramos na residência e demos continuidade àquela rápida visita. Conversamos muito e nos alimentamos muito bem. Aliás, ela fez uma mesa farta, um pouco além do que eu havia imaginado... Ela contou-me a sua história de vida, conforme a sequência que reproduzo em seguida.
“Depois daquela noite em que assisti à palestra, eu nunca mais fui a mesma! Naquela noite eu fui a casa em que recebia os clientes e pedi minhas contas. É muito difícil a gente sair de um lugar como aquele, onde eu trabalhava! O que a gente ganha é dividido em três partes: uma é da polícia,
dos policiais corruptos; a outra é do homem que agencia os encontros com os clientes; a terceira pertence à dona do lugar. E a mulher que vende o corpo fica com uma quota muito pequena, uma verdadeira miséria como recompensa pelo seu trabalho. E mais. Tudo que ela usa é alugado. Nada
lhe pertence de fato. Só o que ela rouba fica em suas mãos. Mas se tentar esconder qualquer parte do lucro e o agenciador descobrir, ele acaba matando-a sem piedade. Quando a mulher adoece é jogada para fora da pensão. Às vezes mandam matá-la com drogas, já que se torna um peso para
eles. É tragédia viver dessa forma! A realidade das chamadas “mulheres de vida fácil” muitas vezes não é tão fácil assim...
Daí, eu pedi as contas e disse para a dona da pensão:
— Eu vou trabalhar para pagar à senhora. Mas tenha a certeza de que eu não virei mais aqui!
Como eu possuía muitos débitos, precisava pagar para me ver livre das cobranças. Procurei um lugar para morar nos arredores da cidade. Não achei emprego, porque as pessoas são assim mesmo.
Todo mundo se posiciona contra a prostituição, mas ninguém dá oportunidade para quem quer sair dela. Então, eu fui trabalhar na lavoura. Porque aquela mulher, aquela tal de Maria de Magdala, não saía da minha cabeça!
Antes de ser meu marido, o companheiro que tenho ao meu lado era meu cliente das quartas-feiras.
Toda quarta-feira eu era alugada a ele. Por isso, na quarta-feira após a palestra do senhor, ele foi me ver. Quando chegou ao local, a tia, a dona da casa, informou que eu não estava mais. Ele ficou atônito e quis saber o que havia ocorrido:
— Mas o que é que aconteceu?
— Não sei — disse a senhora. — Eu só sei que ela foi embora porque não quer mais trabalhar aqui.
— Mas para onde ela foi?
— Não sei. Não é da minha conta!
E este homem começou a me procurar desesperadamente! Eu fui morar em uma viela, acomodada em um pequeno quarto. Todo dia eu acordava cedo, trabalhava na lavoura e voltava pata o meu quarto.
Como todos os colegas da lavoura me conheciam, quiseram me alugar, mas eu reagi:
— De jeito nenhum! Agora eu sou cortadora de cana-de-açúcar! Acabou a festa!
E nunca mais eu me permiti retornar à vida de antes!
Por fim, uma semana depois, o meu antigo cliente me encontrou em casa c quis entendei a situação:
— Mas que loucura lhe deu na cabeça? É porque você ganha pouco? — Eu estou disposto a pagar mais pelos seus serviços!
Mas eu respondi:
— Não! Não se trata disso. Eu simplesmente não quero mais!
— Como é que você largou a casa onde estava?
— Larguei a casa, larguei você e larguei todo mundo! E fora daqui, porque este quarto sou eu quem paga com meu trabalho na lavoura!
— Mas você era tão boa comigo!
— Porque você me pagava para que eu fosse boa com você. Eu notei que ele ficou assustado e insistiu:
— Quer dizer que você não vai voltar nunca mais?
— Não! Não vou voltar nunca mais! Ele me olhou fixamente e me perguntou:
— Então você quer ser minha namorada?
— Como é que pode? Começar agora pelo início uma coisa que já chegou ao final? Já fizemos tudo. Não há mais nenhuma novidade. Não dá para ser tudo ao contrário!
— Dá sim! Porque nós poderemos namorar, fazendo somente o que não experimentamos ainda, já que a outra parte nós já conhecemos. Vamos começar como se nunca houvesse acontecido nada entre nós.
— Vou pensar. Antes você era um cliente. Agora é diferente!
A proposta dele até que mexeu comigo. Só que eu não sabia como é que se namora. Por isso, para me garantir, ele ficava do lado de fora da janela, na rua, e eu do lado de dentro. Assim eu não corria “riscos”, ficávamos somente acariciando as mãos um do outro. Quando ele se entusiasmava
muito eu dizia:
— Pois bem! Já está na minha hora!
Daí eu me despedia, fechava e janela e ia dormir! Ah! Era tão bom namorar! Ele me levava tantos presentes... Tentava me agradar de todas as formas...
Um dia, ele me perguntou:
— Se você se casasse comigo, você iria me respeitar e não ter mais ninguém?
— É claro! Se eu por acaso quiser me casar com você...
— E o que eu tenho que fazer para você decidir?
— Conquistar-me! Porque antes você me alugava. Agora não. Vai ter que ser por amor!
— Já que você passou por lá, pela vida da prostituição, já sabe como é. Eu confio em você e a quero como minha esposa.
A partir daí, nós assumimos compromisso e tempos depois nos casamos. Foi então que eu fiquei sabendo que ele era um homem muito rico. Era dono de fazenda. Ele me levou para conhecer a sua propriedade e eu fiquei muito envergonhada. Porque agora eu era dona de fazenda! Imagine o meu
embaraço com os empregados da fazenda! Mas com o tempo eu me acostumei a ser dona de tudo aquilo.
Certa vez, quando estávamos visitando alguns serviços da fazenda, ele me falou:
— Eu quero ter um filho!
— Mas você sabe que eu não posso ter filhos.
— Mas eu quero ter uma criança!
— Eu já falei que não posso! Fiz uma cirurgia que me impediu de ter filhos, para não ter que cuidar de crianças enquanto trabalhava na noite. Porque no bordel é assim que acontece. Recebemos orientação para seduzir os homens e para não perder tempo com gravidez. Então eu não posso ter
filhos.
— Não estou dizendo que o nosso filho terá que ser gerado por você. Vamos adotar uma criança que não tenha pai nem mãe e vamos cuidar dela.
— Ah, sim! Dessa forma será possível.
Então adotamos uma criança que aumentou a nossa felicidade!
Quando a senhora concluiu a sua história a emoção tomou conta de mim! Ela o depoimento de alguém em busca de um recomeço que lhe exigia mudanças radicais. Ela me confidenciou:
— Na verdade, Seu Divaldo, eu era virgem quando trabalhava na noite!
Diante de uma afirmação surpreendente como essa eu indaguei, tentando entendê-la:
— Mas como, minha filha? Como alguém pode trabalhar com a prostituição e ser virgem?
— Eu era virgem na alma! — explicou-me. — Eu vendia o corpo, mas a alma nunca havia sido tocada! Era tudo automático. Eu não sentia nada quando estava no leito com aqueles homens que me pagavam! Mas o meu marido veio e me conquistou com muita delicadeza. Por isso eu o amei...
E um dia eu me entreguei a ele. Foi o primeiro contato íntimo que eu tive na minha vida...
A anfitriã prosseguiu o diálogo esclarecendo a respeito daquelas crianças:
— Eu fiz questão “do senhor” vir hoje aqui para que eu pudesse lhe mostrar a minha família. A cada ano, nós adotamos um filho, como fazem as famílias que têm filhos naturais. No intervalo de um ano, dá tempo “da gente” descansar para ter outro, não é? E nos últimos nove anos nós adotamos todas essas crianças, como se eu tivesse um filho a cada ano. E como sabíamos que o
senhor viria visitar a nossa cidade, nós adotamos este menino, o Divaldinho. Gostaríamos que o senhor pusesse a mão na cabeça dele e pedisse a Deus que o abençoasse.
Emocionado, eu abracei o Divaldinho, olhei para todas as crianças e falei:
— Vou pedir a Deus que abençoe todos os seus filhos, não apenas o Divaldinho.
Aquele foi um dos momentos mais gratificantes de toda a minha vida! Todos nos emocionamos.
Ela chorava e eu também.
Passaram-se aproximadamente quarenta anos e, ao longo desse período, eles se tornaram avós, mantendo um lar com dezasseis crianças. O lar possui sempre este número de integrantes. Quando alguns se emancipam, outros ingressam, de forma que fiquem sempre dezasseis.
Há pouco tempo, ele me informou que a sua esposa desencarnou105. Disse ainda que transformou a sua fazenda em um pequenino núcleo espírita, uma instituição muito simples do interior, e que estava rico de esperanças e de alegria com a presença dos netos.
Ao longo do tempo eles permaneceram jovens no ideal, pois encontraram um objetivo para a vida..."
"Sexo e Consciência", Divaldo Pereira Franco
Curiosamente, o único lugar disponível para a realização do nosso encontro era um cabaré, uma casa noturna. Dr. Flávio Pinheiro, o amigo que organizava o evento, esclareceu-me a situação:
— Divaldo, o único salão que há é o lugar de prazeres da cidade, pois a escola que havíamos reservado está interditada. Infelizmente choveu muito e os alicerces foram abalados. Você iria ao cabaré?
Eu respondi-lhe afirmativamente, interrogando-o:
— Como eu não iria?! Eu vou muito a ambientes como esse para visitar pessoas doentes, cumprindo a minha obrigação de exercitar a fraternidade. O problema é se as pessoas da cidade iriam à palestra num local incomum como esse.
— Se eu pedir, eles irão. Eu vou telefonar à esposa do prefeito, pois ela é espírita.
— E a esposa do juiz?
— Ela também o é. E se as duas forem à palestra todo mundo irá. Muita gente irá somente para ver quem estará presente! Então, irá todo mundo...
Ele convidou, e a esposa do juiz respondeu com muito entusiasmo:
— Eu tinha desejo de entrar num lugar desses para ver o que há por lá! Graças ao Espiritismo, finalmente irei conhecer!
Portanto, quando o meu amigo recorreu aos responsáveis pelo estabelecimento, pedi-lhe para ir antes ao local a fim de ver o ambiente. As pinturas eram muito “animadas”, o que nos levou a cobril-as com lençóis, que foram devidamente lavados e higienizados com produtos químicos. Pari tornar
o ambiente mais agradável, ele mandou lavar o piso com detergente. Por fim, colocou cadeiras para a palestra.
À noite, seguimos ao local anunciado. As senhoras e os cavalheiros, muito circunspectos, ficaram à porta de entrada. Eu cheguei com o Dr. Flávio, que era um médico muito bom e amado na cidade, e estranhamos que ninguém entrava. Ao vê-los naquela postura de receio, o nobre amigo comentou:
— A palestra será lá dentro! Não há motivo para ficarmos aqui.
O prefeito e o juiz, com suas respectivas esposas, tomaram a frente e entraram com imponência.
Vencendo o receio, todos começaram a segui-los para o interior do edifício, inclusive eu. Quando entramos, as pessoas que estavam curiosas ficaram decepcionadas porque não havia nada demais,
além dos quadros cobertos com lençóis brancos e o odor de detergente no ambiente.
Na palestra, eu aproveitei para falar sobre a história de Maria de Magdala, um tema apropriado para o local.
Ao terminar, comecei a atender a fila de pessoas que me cumprimentavam. Entre elas estava uma jovem, já num dos últimos lugares da fila, que se aproximou e timidamente falou-me:
— Ah! Eu queria tanto conhecer o senhor! Eu tive tanta dificuldade para vir!
Eu não entendi de imediato as razões dela, já que se tratava de uma cidade pequena e praticamente sem maiores problemas para as pessoas se deslocarem.
— Mas por que você teve tantas dificuldades, minha jovem?
— Porque ali na entrada havia um soldado separando quem entrava e quem não entrava. E eu sou uma mulher da noite.
Eu estava um pouco deslocado porque o nosso diálogo ocorria logo depois da palestra. Às vezes, durante a minha exposição, fico imerso em outra psicosfera. Demora um pouco para retornar à realidade objetiva. Daí, eu pensei: “O que será uma dama da noite?”. Mesmo sem entender, eu sorri para ela e continuamos conversando:
— E você gostou da palestra?
— Gostei, sim, senhor! Porque Maria de Magdala era igual a mim.
Somente, nesse instante, eu compreendi a realidade que moldava o sofrimento daquela jovem.
Ela insistiu nas explicações sobre a sua entrada no evento:
— Como eu disse ao senhor, quase que não consigo entrar aqui. Eu sou frequentadora da casa.
Mas hoje foi proibido pra nós. A polícia ficou vigiando tudo e nós somente poderíamos entrar depois da 1h da madrugada. Agora, era a festa só para os ricos. Então eu fiquei curiosa para saber o que iria acontecer aqui. Só entrei porque o guarda que controlava a porta também é meu cliente. Por
isso, ele me deixou passar, mas exigiu que eu trocasse de roupa. Eu estava vestida com a roupa do trabalho. Então eu me vesti como gente direita e vim. Gostei muito da sua palestra e fiquei apaixonada por Maria de Magdala! Eu gostaria muito de deixar esta vida! O que eu farei? Porque eu
sou daqui desta casa...
— Não, você não é daqui! Você está passando por aqui! Daqui é o piso, é o telhado, é a parede... Isto tudo vai ficar aqui. Você, não! Você está em trânsito.
Eu olhei-a bem, que era tão jovem e tão sofrida, e indaguei:
— Minha filha, por que você trabalha nessa profissão?
— Porque é a única coisa que eu sei fazer. Eu sou analfabeta. Não sei nada da vida.
Entendendo que ela necessitaria de mais tempo para receber orientações, propus-lhe:
Você gostaria de conversar comigo?
— Ah! Gostaria!
— Ouça minha filha, eu não poderei conversar mais com você agora porque tenho um compromisso dentro de alguns minutos. Mas se você quiser ir à casa do Dr. Flávio para conversarmos após a reunião, será muito bem recebida.
— Ah, Seu Divaldo, à casa do Dr. Flávio eu não irei! E porque ele é o médico do Posto de Saúde que me examina toda semana.
— Por que você não irá? Ele proíbe?
— O senhor sabe... Se uma mulher como eu for assim à casa dele será um escândalo! Será que ele me aceita?
— Creio que sim, se ele de fato for espírita. Vamos verificar.
Na mesma hora eu chamei o meu amigo para comunicar-lhe o desejo de atender à jovem, aguardando que ele, como verdadeiro espírita, não se opusesse. Ele era um homem admirável e eu lhe expliquei a situação:
— Dr. Flávio, eu convidei a nossa irmã para ir à sua casa conversar comigo. O senhor nos permite?
O caro amigo aquiesceu, o que provava que ele não era espírita somente no Centro, conforme acontece com outras pessoas. Há pessoas que dizem aderir ao Espiritismo, mas não procedem conforme nos recomenda o espírito de fraternidade sem julgamento.
— Claro, Divaldo! Minha casa está aberta! Você poderá convidar quem quiser. Será um prazer!
E voltando para ela falou lhe, gentilmente:
— Vá sim, minha cara! Quando você chegar, provavelmente nós não estaremos. Você entra e nos aguarda.
Desta forma, combinamos que eu atenderia ao meu compromisso e por volta da meia-noite, estaria de volta para vê-la.
Era o mês de junho e fazia muito frio. Quando chegamos à casa do Dr. Flávio, a jovem estava debaixo de uma árvore, tremendo de frio e aguardando-nos. Eu lhe indaguei:
— Por que você não entrou minha filha? Está frio!
— Eu fiquei com vergonha, Seu Divaldo!
E após algumas palavras de saudação, todos entramos na residência.
A família foi muito acolhedora com ela. Sentamo-nos na sala e eu atendi os convidados que o anfitrião havia chamado para nos cumprimentar. Depois que todos se foram eu comentei com ela:
— Agora, minha filha, poderemos conversar a noite toda, se for necessário!
— Eu já estou acostumada, Seu Divaldo. A noite é o meu dia.
— Eu também digo o mesmo! Também sou uma pessoa da noite! Adoro a noite, pois que trabalho muito nesse período!
Falei em um tom muito bem-humorado e expliquei-lhe que tenho por hábito, desde jovem, visitar pela madrugada pessoas doentes, obsidiadas ou com outros problemas, assim que concluo a palestra e o atendimento na Mansão do Caminho.
Dialogamos bastante. Ela era como uma filha que Deus me enviava de volta ao coração!
Quando se estava despedindo, ela comentou:
— O senhor nunca se vai arrepender do tempo que perdeu comigo!
— Mas eu não perdi tempo nenhum! Eu usei este tempo em sua companhia porque escolhi assim. E agradeço a você por ter-me dado a honra de vir conversar comigo!
Quando terminou nosso diálogo e ela finalmente se foi, já eram 5h da manhã. As 6h já deveríamos estar na estrada para seguir a uma cidade vizinha. Lavei o rosto, tomei um café ligeiro e viajamos.
Muitos anos se passaram após este episódio.
Dez anos depois eu voltei àquela cidade. Fiz a palestra em outro auditório e notei que a cidade havia progredido muito. Ao longo dos anos o município ficou conhecido como “a cidade dos bordados”.
Quando eu terminei a palestra, fui atender à fila e vi uma senhora linda, com um senhor mais velho ao seu lado. Ela deveria ser uns vinte anos mais jovem do que ele.
Ao chegar o momento de atendê-los, ela me deu um abraço com emoção indescritível e me perguntou:
— O senhor lembra-se de mim, senhor Divaldo?
— Claro que eu me lembro!
Realmente ela havia mudado muito, mas eu a reconheci imediatamente ao ouvir a sua voz. O senhor ao seu lado não pronunciou muitas palavras. Permaneceu reticente.
— Eu quero apresentar-lhe o meu marido — falou-me.
O marido aproximou-se e estendeu-me a mão com toda timidez, como é comum em muitas pessoas simples do interior.
— Meus parabéns! — congratulei-me com o cavalheiro. — Que boa escolha você fez ao se casar com ela!
A senhora fez uma pausa, olhou para o marido com ternura e prosseguiu:
— Seu Divaldo, eu gostava que o senhor fosse tomar o café da manhã lá em casa.
— Minha filha, eu não posso. Porque logo cedo eu viajarei a outra cidade e não posso atrasar-me.
Minha vida é como a dos ciganos. Eu monto o acampamento, a polícia vem, desmonta e eu mudo de lugar...
— Mas seria tão bom que o senhor fosse...
— Infelizmente, fica muito difícil. Eu darei uma entrevista em um programa de rádio às l0h e me levantarei muito cedo para evitar imprevistos,
Naquele tempo, muitas estradas não eram asfaltadas e os atrasos tornavam se constantes.
— O senhor irá levantar-se muito cedo mesmo?
— Irei sim.
— Então faça um esforço para se levantar um pouco mais cedo e passar lá em casa. Dr. Flávio sabe onde nós moramos.
Eu olhei para o meu anfitrião e ele balançou a cabeça, afirmativamente.
— Está bem. Eu tomarei café com vocês. Mas não faça nada demais. Somente o café, o leite, o bolo, o pão, o queijo, a manteiga... Essas bobagens que não são quase nada... E não se esqueça da batata cozida!
Todos sorrimos. Ela riu bastante e ele também, que até então estava com a fisionomia muito séria e em uma postura retraída. Na hora das despedidas ele me deu um abraço caloroso.
Nessa noite, eu quase não consegui dormir! A expectativa em ver as transformações que o amor de Deus pode produzir causou-me enorme ansiedade.
No dia seguinte, levantamo-nos às 5h. Fomos visitá-los às 5h30 para depois continuamos a viagem.
Quando chegamos, ela estava na porta com uma criança nos braços, o marido e mais oito crianças cujas idades formavam uma verdadeira escada descendente.
Em seguida, entramos na residência e demos continuidade àquela rápida visita. Conversamos muito e nos alimentamos muito bem. Aliás, ela fez uma mesa farta, um pouco além do que eu havia imaginado... Ela contou-me a sua história de vida, conforme a sequência que reproduzo em seguida.
“Depois daquela noite em que assisti à palestra, eu nunca mais fui a mesma! Naquela noite eu fui a casa em que recebia os clientes e pedi minhas contas. É muito difícil a gente sair de um lugar como aquele, onde eu trabalhava! O que a gente ganha é dividido em três partes: uma é da polícia,
dos policiais corruptos; a outra é do homem que agencia os encontros com os clientes; a terceira pertence à dona do lugar. E a mulher que vende o corpo fica com uma quota muito pequena, uma verdadeira miséria como recompensa pelo seu trabalho. E mais. Tudo que ela usa é alugado. Nada
lhe pertence de fato. Só o que ela rouba fica em suas mãos. Mas se tentar esconder qualquer parte do lucro e o agenciador descobrir, ele acaba matando-a sem piedade. Quando a mulher adoece é jogada para fora da pensão. Às vezes mandam matá-la com drogas, já que se torna um peso para
eles. É tragédia viver dessa forma! A realidade das chamadas “mulheres de vida fácil” muitas vezes não é tão fácil assim...
Daí, eu pedi as contas e disse para a dona da pensão:
— Eu vou trabalhar para pagar à senhora. Mas tenha a certeza de que eu não virei mais aqui!
Como eu possuía muitos débitos, precisava pagar para me ver livre das cobranças. Procurei um lugar para morar nos arredores da cidade. Não achei emprego, porque as pessoas são assim mesmo.
Todo mundo se posiciona contra a prostituição, mas ninguém dá oportunidade para quem quer sair dela. Então, eu fui trabalhar na lavoura. Porque aquela mulher, aquela tal de Maria de Magdala, não saía da minha cabeça!
Antes de ser meu marido, o companheiro que tenho ao meu lado era meu cliente das quartas-feiras.
Toda quarta-feira eu era alugada a ele. Por isso, na quarta-feira após a palestra do senhor, ele foi me ver. Quando chegou ao local, a tia, a dona da casa, informou que eu não estava mais. Ele ficou atônito e quis saber o que havia ocorrido:
— Mas o que é que aconteceu?
— Não sei — disse a senhora. — Eu só sei que ela foi embora porque não quer mais trabalhar aqui.
— Mas para onde ela foi?
— Não sei. Não é da minha conta!
E este homem começou a me procurar desesperadamente! Eu fui morar em uma viela, acomodada em um pequeno quarto. Todo dia eu acordava cedo, trabalhava na lavoura e voltava pata o meu quarto.
Como todos os colegas da lavoura me conheciam, quiseram me alugar, mas eu reagi:
— De jeito nenhum! Agora eu sou cortadora de cana-de-açúcar! Acabou a festa!
E nunca mais eu me permiti retornar à vida de antes!
Por fim, uma semana depois, o meu antigo cliente me encontrou em casa c quis entendei a situação:
— Mas que loucura lhe deu na cabeça? É porque você ganha pouco? — Eu estou disposto a pagar mais pelos seus serviços!
Mas eu respondi:
— Não! Não se trata disso. Eu simplesmente não quero mais!
— Como é que você largou a casa onde estava?
— Larguei a casa, larguei você e larguei todo mundo! E fora daqui, porque este quarto sou eu quem paga com meu trabalho na lavoura!
— Mas você era tão boa comigo!
— Porque você me pagava para que eu fosse boa com você. Eu notei que ele ficou assustado e insistiu:
— Quer dizer que você não vai voltar nunca mais?
— Não! Não vou voltar nunca mais! Ele me olhou fixamente e me perguntou:
— Então você quer ser minha namorada?
— Como é que pode? Começar agora pelo início uma coisa que já chegou ao final? Já fizemos tudo. Não há mais nenhuma novidade. Não dá para ser tudo ao contrário!
— Dá sim! Porque nós poderemos namorar, fazendo somente o que não experimentamos ainda, já que a outra parte nós já conhecemos. Vamos começar como se nunca houvesse acontecido nada entre nós.
— Vou pensar. Antes você era um cliente. Agora é diferente!
A proposta dele até que mexeu comigo. Só que eu não sabia como é que se namora. Por isso, para me garantir, ele ficava do lado de fora da janela, na rua, e eu do lado de dentro. Assim eu não corria “riscos”, ficávamos somente acariciando as mãos um do outro. Quando ele se entusiasmava
muito eu dizia:
— Pois bem! Já está na minha hora!
Daí eu me despedia, fechava e janela e ia dormir! Ah! Era tão bom namorar! Ele me levava tantos presentes... Tentava me agradar de todas as formas...
Um dia, ele me perguntou:
— Se você se casasse comigo, você iria me respeitar e não ter mais ninguém?
— É claro! Se eu por acaso quiser me casar com você...
— E o que eu tenho que fazer para você decidir?
— Conquistar-me! Porque antes você me alugava. Agora não. Vai ter que ser por amor!
— Já que você passou por lá, pela vida da prostituição, já sabe como é. Eu confio em você e a quero como minha esposa.
A partir daí, nós assumimos compromisso e tempos depois nos casamos. Foi então que eu fiquei sabendo que ele era um homem muito rico. Era dono de fazenda. Ele me levou para conhecer a sua propriedade e eu fiquei muito envergonhada. Porque agora eu era dona de fazenda! Imagine o meu
embaraço com os empregados da fazenda! Mas com o tempo eu me acostumei a ser dona de tudo aquilo.
Certa vez, quando estávamos visitando alguns serviços da fazenda, ele me falou:
— Eu quero ter um filho!
— Mas você sabe que eu não posso ter filhos.
— Mas eu quero ter uma criança!
— Eu já falei que não posso! Fiz uma cirurgia que me impediu de ter filhos, para não ter que cuidar de crianças enquanto trabalhava na noite. Porque no bordel é assim que acontece. Recebemos orientação para seduzir os homens e para não perder tempo com gravidez. Então eu não posso ter
filhos.
— Não estou dizendo que o nosso filho terá que ser gerado por você. Vamos adotar uma criança que não tenha pai nem mãe e vamos cuidar dela.
— Ah, sim! Dessa forma será possível.
Então adotamos uma criança que aumentou a nossa felicidade!
Quando a senhora concluiu a sua história a emoção tomou conta de mim! Ela o depoimento de alguém em busca de um recomeço que lhe exigia mudanças radicais. Ela me confidenciou:
— Na verdade, Seu Divaldo, eu era virgem quando trabalhava na noite!
Diante de uma afirmação surpreendente como essa eu indaguei, tentando entendê-la:
— Mas como, minha filha? Como alguém pode trabalhar com a prostituição e ser virgem?
— Eu era virgem na alma! — explicou-me. — Eu vendia o corpo, mas a alma nunca havia sido tocada! Era tudo automático. Eu não sentia nada quando estava no leito com aqueles homens que me pagavam! Mas o meu marido veio e me conquistou com muita delicadeza. Por isso eu o amei...
E um dia eu me entreguei a ele. Foi o primeiro contato íntimo que eu tive na minha vida...
A anfitriã prosseguiu o diálogo esclarecendo a respeito daquelas crianças:
— Eu fiz questão “do senhor” vir hoje aqui para que eu pudesse lhe mostrar a minha família. A cada ano, nós adotamos um filho, como fazem as famílias que têm filhos naturais. No intervalo de um ano, dá tempo “da gente” descansar para ter outro, não é? E nos últimos nove anos nós adotamos todas essas crianças, como se eu tivesse um filho a cada ano. E como sabíamos que o
senhor viria visitar a nossa cidade, nós adotamos este menino, o Divaldinho. Gostaríamos que o senhor pusesse a mão na cabeça dele e pedisse a Deus que o abençoasse.
Emocionado, eu abracei o Divaldinho, olhei para todas as crianças e falei:
— Vou pedir a Deus que abençoe todos os seus filhos, não apenas o Divaldinho.
Aquele foi um dos momentos mais gratificantes de toda a minha vida! Todos nos emocionamos.
Ela chorava e eu também.
Passaram-se aproximadamente quarenta anos e, ao longo desse período, eles se tornaram avós, mantendo um lar com dezasseis crianças. O lar possui sempre este número de integrantes. Quando alguns se emancipam, outros ingressam, de forma que fiquem sempre dezasseis.
Há pouco tempo, ele me informou que a sua esposa desencarnou105. Disse ainda que transformou a sua fazenda em um pequenino núcleo espírita, uma instituição muito simples do interior, e que estava rico de esperanças e de alegria com a presença dos netos.
Ao longo do tempo eles permaneceram jovens no ideal, pois encontraram um objetivo para a vida..."
Sem comentários:
Enviar um comentário