"Toda a
gente fala da desgraça, toda a gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o caráter
múltiplo. Venho eu dizer-vos que quase toda a gente se engana e que a desgraça
real não é, absolutamente, o que os homens, isto é, os desgraçados, o supõem.
Eles a vêem na miséria, no fogão sem lume, no credor que ameaça, no berço de que
o anjo sorridente desapareceu, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de
cabeça descoberta e com o coração despedaçado, na angústia da traição, na
desnudação do orgulho que desejara envolver-se em púrpura e mal oculta a sua
nudez sob os andrajos da vaidade. A tudo isso e a muitas coisas mais se dá o
nome de desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para os que só vêem o
presente; a verdadeira desgraça, porém, está nas consequências de um fato, mais
do que no próprio fato. Dizei-me se um acontecimento, considerado ditoso na
ocasião, mas que acarreta consequências funestas, não é, realmente, mais
desgraçado do que outro que a princípio causa viva contrariedade e acaba
produzindo o bem. Dizei-me se a tempestade que vos arranca as árvores, mas que
saneia o ar, dissipando os miasmas insalubres que causariam a morte, não é antes
uma felicidade do que uma infelicidade.
Para
julgarmos de qualquer coisa, precisamos ver-lhe as consequências. Assim, para
bem apreciarmos o que, em realidade, é ditoso ou inditoso para o homem,
precisamos transportar-nos para além desta vida, porque é lá que as
consequências se fazem sentir. Ora, tudo o que se chama infelicidade, segundo as
acanhadas vistas humanas, cessa com a vida corporal e encontra a sua compensação
na vida futura.
Vou
revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que
acolheis e desejais com todas as veras de vossas almas iludidas. A infelicidade
é a alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da
vaidade, que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que
atordoam o homem com relação ao seu futuro. A infelicidade é o ópio do
esquecimento que ardentemente procurais
conseguir.
Esperai,
vós que chorais! Tremei, vós que rides, pois que o vosso corpo está satisfeito!
A Deus não se engana; não se foge ao destino; e as provações, credoras mais
impiedosas do que a matilha que a miséria desencadeia, vos espreitam o repouso
ilusório para vos imergir de súbito na agonia da verdadeira infelicidade,
daquela que surpreende a alma amolentada pela indiferença e pelo
egoísmo.
Que, pois,
o Espiritismo vos esclareça e recoloque, para vós, sob verdadeiros prismas, a
verdade e o erro, tão singularmente deformados pela vossa cegueira! Agireis
então como bravos soldados que, longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas
dos combates arriscados à paz que lhes não pode dar glória, nem promoção! Que
importa ao soldado perder na refrega armas, bagagens e uniforme, desde que saia
vencedor e com glória? Que importa ao que tem fé no futuro deixar no campo de
batalha da vida a riqueza e o manto de carne, contanto que sua alma entre
gloriosa no reino celeste? - Delfina de Girardin. (Paris,
1861.)"
("O Evangelho Segundo o Espiritismo", Allan Kardec)
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