"Casamento, na Terra, é uma instituição educativa, em cuja intimidade nem
sempre o amor é a árvore feita, que se delineia, rósea e brilhante, nos sonhos
indefiníveis e sublimes do noivado comum.
Casar-se é associar-se. E associar-se com alguém ou com alguma causa; é
aprender e experimentar.
Quem se une a interesses materiais, cedo encontra o tédio e o desânimo de
quem escolhe um caminho árido para jornadear.
Quem adere a encantos transitórios do corpo, atinge apressadamente a casa
escura da desilusão, onde todos os ensinamentos são difíceis e amargos.
Quem disputa conveniências passageiras, é defrontado sem demora, por
dolorosos problemas, nos quais o temor, o cansaço e desalento obscurecem a capacidade
de raciocinar com acerto.
Quem busca prazeres fáceis penetra, em poucos dias, no vale triste da
ociosidade e do desengano, perdendo, muitas vezes, o entusiasmo de fazer, imaginar e
trabalhar.
Só amor ilumina o edifício do casamento, rnultiplicando os recursos de estimulo
e concordia, união e carinho naqueles que se entrelaçaram para a grande marcha
humana.
E, nesse sentido, o matrimônio das almas, acima de todos os laços corporais ou
convencionais, permanece imperecível, porque é da aliança dos espíritos devotados ao
bem, encarnados ou não, consorciados ou não, segundo as leis da experiência física, que
nascem as grandes obras redentoras da Humanidade.
Fixai as realizações sublimes do mundo, sob quaisquer aspecto, e, e seus
alicerces, encontrareis a comunhão das almas, que se imantara reciprocamente, no
cadinho do ideal e da amizade.
Se a experiência do lar, porém, não é a vossa, não vos sintonia diminuídos por
esse motivo.
Lembremo-nos de que Jesus não esteve nos elos conjugais do mundo, mas, por
isso, não deixou de ser o Sol da Verdade e do amor para todos os séculos da Terra.
Consorciemo-nos, pois uns com os outros, em espírito, e saibamos produzir, sob
a inspiração do Senhor, as obras regenerativas e santificantes que a vida na Terra está
esperando de nossos corações e de nossas mãos."
("Mãe", Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)
sábado, 30 de abril de 2016
sexta-feira, 29 de abril de 2016
"EM FAMÍLIA"
"A família consanguínea é a lavoura de luz da alma, dentro da qual triunfam somente aqueles que se revestem de paciência, renúncia e boa vontade.
De quando a quando, o amor nos congrega, em pleno campo da vida, regenerando-nos a sementeira do destino.
Geralmente, não se reúnem a nós os companheiros que já demandaram à esfera superior, dignamente areolados por vencedores, e sim afeiçoados menos estimáveis de outras épocas, para restaurarmos o tecido da fraternidade, indispensável ao agasalho de nossa alma, na jornada para os cimos da vida.
Muitas vezes, na condição de pais e filhos, cônjuges ou parentes, não passamos de devedores em resgate de antigos compromissos
Se és pai, não abandones teus filhos aos processos evolutivos da natureza animal, qual se fora menos digno de atenção que a hortaliça da tua casa.
A criança é um "trato de terra espiritual” que devolverá o que aprende, invariavelmente, de acordo com a sementeira recebida.
Se és filho, não desprezes teus pais, relegando-os ao esquecimento e subestimando-lhes os corações, como se estivessem em desacordo com os teus ideais de elevação e nobreza, porque também, um dia, precisarás da alheia compreensão para que se te aperfeiçoe na individualidade a região presentemente menos burilada e menos atendida.
A criatura no acaso da existência é o espelho do teu próprio futuro na Terra.
Aprende a usar a bondade, em doses intensivas, ajustando-a ao entendimento e à vigilância para que a tua experiência em família não desapareça no tempo, sem proveito para o caminho a trilhar.
Quem não auxilia a alguns, não se acha habilitado ao socorro de muitos.
Quem não tolera o pequeno desgosto doméstico, sabendo sacrificar-se com espontaneidade e alegria, a benefício do companheiro de tarefa ou de lar, debalde se erguerá por salvador de criaturas e situações que ele mesmo desconhece.
Cultiva o trabalho constante, o silêncio oportuno, a generosidade sadia e conquistarás o respeito dos outros, sem o qual ninguém consegue ausentar-se do mundo em paz consigo mesmo.
Se não praticas no grupo familiar ou no esforço isolado a comunhão com Jesus, não te demores a buscar-lhe a vizinhança. a inspiração e a diretriz.
Não percas o tesouro das horas em reclamações improfícuas ou destrutivas.
Procura entender e auxiliar a todos em casa, para que todos em casa te entendam e auxiliem na luta cotidiana, tanto quanto lhe seja possível.
O lar é o porto de onde a alma se retira para o mar alto do mundo, e quem não transporta no coração o lastro da experiência dificilmente escapará ao naufrágio parcial ou total.
Procura a paz com os outros ou a sós.
Recorda que todo dia é dia de começar."
("Família", Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)
quinta-feira, 28 de abril de 2016
"ESPIRITISMO PRATICADO"
"Irmãos, recordando Allan Kardec, na prática espiritista,
lembremo-nos de que, no Espiritismo praticado, é necessário:
Colocar os interesses divinos acima dos caprichos humanos.
Negar-se a si mesmo, tomar a cruz da elevação e seguir com o Senhor.
Reformar-se em Cristo, antes de reclamar a reforma dos outros.
Exemplificar o bem antes de ensiná-lo.
Servir sem propósitos de recompensa.
Consolar, antes de procurar consolações.
Amar sem exigências.
Usar os bens do Pai, sem os desvarios da posse.
Compreender, antes de reclamar compreensão alheia.
Agradecer, antes de pedir.
Confiar sem angústias.
Cumprir todos os deveres da cooperação, sem as trevas da incompreensão e da
queixa. Jesus é Caminho, Verdade e Vida.
Kardec é Trabalho, Solidariedade e Tolerância.
O Caminho da realização não dispensa o trabalho.
O templo da Verdade não exclui a solidariedade legítima.
A Vida eterna pede a luz da tolerância construtiva.
O Espiritismo em seu tríplice aspecto, científico, filosófico, religioso, é
movimento libertador das consciências, mas só o Espiritismo praticado liberta a
consciência de cada um.
Lembrando o grande Missionário, não vos esqueçais de que o Espiritismo prático
pode ser o Espiritismo do eu e que só o Espiritismo praticado é o Espiritismo
de Deus."
(“Nosso Livro”, Emmanuel/ Francisco Cândido Xavier)
quarta-feira, 27 de abril de 2016
"PRIMEIRAS LIÇÕES DE MORAL DA INFÂNCIA"
"De todas as chagas morais da Sociedade, parece que o egoísmo é a mais difícil de desarraigar. Com efeito, ela o é tanto mais quanto mais é alimentada pelos próprios hábitos da educação. Parece que se toma a tarefa de excitar, desde o berço, certas paixões que mais tarde tornam-se uma segunda natureza. E admiram-se dos vícios da Sociedade, quando as crianças o sugam com o leite. Eis um exemplo que, como cada um pode julgar, pertence mais à regra do que à exceção.
Numa família de nosso conhecimento há uma menina de quatro a cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos defeitos das crianças mimadas, isto é, é um pouco caprichosa, chorona, teimosa, e nem sempre agradece quando lhe dão qualquer coisa, o que os pais cuidam bem de corrigir, porque fora esses defeitos, segundo eles, ela tem um coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como eles se conduzem para lhe tirar essas pequenas manchas e conservar o ouro em sua pureza.
Um dia trouxeram um doce à criança e, como de costume, lhe disseram: “Tu o comerás se fores boazinha”. Primeira lição de gulodice. Quantas vezes, à mesa, não dizem a uma criança que não comerá tal petisco se chorar. “Faze isto, ou faze aquilo”, dizem, “e terás creme” ou qualquer outra coisa que lhe apeteça, e a criança se constrange, não pela razão, mas em vista de satisfazer a um desejo sensual que aguilhoam.
É ainda muito pior quando lhe dizem, o que não é menos frequente, que darão o seu pedaço a uma outra. Aqui já não é só a gulodice que está em jogo, é a inveja. A criança fará o que lhe dizem, não só para ter, mas para que a outra não tenha. Querem dar-lhe uma lição de generosidade? Então lhe dizem: “Dá esta fruta ou este brinquedo a fulaninho”. Se ela recusa, não deixam de acrescentar, para nela estimular um bom sentimento: “Eu te darei um outro”, de modo que a criança não se decide a ser generosa senão quando está certa de nada perder.
Certo dia testemunhamos um fato bem característico neste gênero. Era uma criança de cerca de dois anos e meio, a quem tinham feito semelhante ameaça, acrescentando: “Nós o daremos ao teu irmãozinho, e tu ficarás sem nada.” Para tornar a lição mais sensível, puseram o pedaço no prato do irmãozinho, que levou a coisa a sério e comeu a porção. À vista disso, o outro ficou vermelho e não era preciso ser nem o pai nem a mãe para ver o relâmpago de cólera e de ódio que partiu de seus olhos. A semente estava lançada: poderia produzir bom grão?
Voltemos à menina, da qual falamos. Como ela não se deu conta da ameaça, sabendo por experiência que raramente a cumpriam, desta vez foram mais firmes, pois compreenderam que era necessário dominar esse pequeno caráter, e não esperar que com a idade ela adquirisse um mau hábito. Diziam que é preciso formar cedo as crianças, máxima muito sábia e, para a pôr em prática, eis o que fizeram: “Eu te prometo, disse a mãe, que se não obedeceres, amanhã cedo darei o teu bolo à primeira menina pobre que passar.” Dito e feito. Desta vez queriam manter a promessa e dar-lhe uma boa lição. Assim, no dia seguinte, de manhã, tendo visto uma pequena mendiga na rua, fizeram-na entrar e obrigaram a filha a tomá-la pela mão e ela mesma lhe dar o seu bolo. Então elogiaram a sua docilidade. Moral da história: A filha disse: “Se eu soubesse disto teria me apressado em comer o bolo ontem.” E todos aplaudiram esta resposta espirituosa. Com efeito, a criança tinha recebido uma forte lição, mas de puro egoísmo, da qual não deixará de aproveitar-se uma outra vez, pois agora sabe quanto custa a generosidade forçada. Resta saber que frutos dará mais tarde esta semente quando, com mais idade, a criança fizer a aplicação dessa moral em coisas mais sérias que um bolo.
Sabe-se todos os pensamentos que este único fato pode ter feito germinar nessa cabecinha? Depois disto, como querem que uma criança não seja egoísta quando, em vez de nela despertar o prazer de dar e de lhe representar a felicidade de quem recebe, impõem-lhe um sacrifício como punição? Não é inspirar aversão ao ato de dar àqueles que necessitam?
Outro hábito, igualmente frequente, é o de castigar a criança mandando-a comer na cozinha com os criados. A punição está menos na exclusão da mesa do que na humilhação de ir para a mesa dos serviçais. Assim se acha inoculado, desde a mais tenra idade, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões, numa palavra, que com razão são consideradas como as chagas da Humanidade.
É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais influências, produzidas na idade mais impressionável, na qual não podem encontrar o contrapeso nem da vontade, nem da experiência. Assim, por pouco que aí se ache o germe das más paixões, o que é o caso mais ordinário, dada a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam na Terra, ele não pode deixar de desenvolver-se sob tais influências, ao passo que seria preciso observar-lhe os menores traços para reprimi-los.
A falta, sem dúvida, é dos pais, mas é preciso dizer que muitas vezes estes pecam mais por ignorância do que por má vontade. Em muitos há, incontestavelmente, uma culposa despreocupação, mas em muitos outros a intenção é boa, no entanto, é o remédio que nada vale, ou que é mal aplicado.
Sendo os primeiros médicos da alma de seus filhos, os pais deveriam ser instruídos, não só de seus deveres, mas dos meios de cumpri-los. Não basta ao médico saber que deve procurar curar, é preciso saber como agir. Ora, para os pais, onde estão os meios de instruir-se nesta parte tão importante de sua tarefa? Hoje dá-se muita instrução à mulher; fazem-na passar por exames rigorosos, mas algum dia foi exigido da mãe que soubesse como fazer para formar o moral de seu filho? Ensinam-lhe receitas caseiras, mas foi iniciada aos mil e um segredos de governar os jovens corações?
Os pais, portanto, são abandonados sem guia à sua iniciativa. É por isto que tantas vezes seguem caminhos errados. Assim recolhem, nos erros dos filhos já crescidos, o fruto amargo de sua inexperiência ou de uma ternura mal compreendida, e a Sociedade inteira lhes recebe o contragolpe.
Considerando-se que o egoísmo e o orgulho são reconhecidamente a fonte da maioria das misérias humanas; que enquanto eles reinarem na Terra não se pode esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, então é preciso atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.
Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem dúvida nenhuma, e não hesitamos em dizer que ele é o único suficientemente poderoso para fazê-lo cessar, pelo novo ponto de vista com o qual ele permite perceber a missão e a responsabilidade dos pais; dando a conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e desencarnados; dando a fé inquebrantável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional empregada na educação das crianças nas famílias verdadeiramente espíritas. Os novos horizontes que abre o Espiritismo fazem ver as coisas de outra maneira. Sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, ele forçosamente deverá iluminar o grave problema da educação moral, primeira fonte da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência. Talvez um dia, também, será imposta a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de conhecer o Direito."
"Revista Espírita", Allan Kardec - Fevereiro de 1864
terça-feira, 26 de abril de 2016
"PLANTAÇÃO ESPIRITUAL"
"Numa só existência
podem viver diversas situações.
Num só dia, é possível a prática de atos numerosos.
Numa hora apenas tua mente pode criar múltiplos pensamentos.
Não olvides que todos nós estamos plantando espiritualmente no tempo.
Cada instante, quando queremos, pode ser o começo de gloriosa renovação, tanto quanto pode representar o início de quedas e equívocos deploráveis.
Num só dia, é possível a prática de atos numerosos.
Numa hora apenas tua mente pode criar múltiplos pensamentos.
Não olvides que todos nós estamos plantando espiritualmente no tempo.
Cada instante, quando queremos, pode ser o começo de gloriosa renovação, tanto quanto pode representar o início de quedas e equívocos deploráveis.
Auxilia a ti
próprio, produzindo o bem, Sem que percebas, vives invariavelmente nas
vidas que te cercam.
Se a mentira ou a aversão te visita, não te esqueças de que constituem os frutos de tua própria plantação.
Cada criatura reflete em si aquilo que lhe damos ou impomos.
Nas alheias demonstrações para conosco é possível analisar a qualidade de nossa sementeira.
Aprendamos a cultivar o auxílio fraterno, o trabalho construtivo, a concórdia santificante e a solidariedade fiel, através de todos os passos e de todos os minutos, porque o amanhã será resposta viva a nossa conduta de hoje, tanto quanto a bênção ou a dor de agora consubstanciam os resultados das nossas ações de ontem.
Caminha iluminando a estrada com os recursos da bondade e da
Se a mentira ou a aversão te visita, não te esqueças de que constituem os frutos de tua própria plantação.
Cada criatura reflete em si aquilo que lhe damos ou impomos.
Nas alheias demonstrações para conosco é possível analisar a qualidade de nossa sementeira.
Aprendamos a cultivar o auxílio fraterno, o trabalho construtivo, a concórdia santificante e a solidariedade fiel, através de todos os passos e de todos os minutos, porque o amanhã será resposta viva a nossa conduta de hoje, tanto quanto a bênção ou a dor de agora consubstanciam os resultados das nossas ações de ontem.
Caminha iluminando a estrada com os recursos da bondade e da
alegria, convicto de
que a nossa família na Eternidade é constituída de nossas próprias obras,
e, desse modo, estarás organizando magníficos moldes espirituais para as
tuas novas tarefas na elevação ou na reencarnação em futuro próximo."
("Relicário de Luz", Emmanuel/Francisco Cândido
Xavier)
segunda-feira, 25 de abril de 2016
"MONUMENTOS VIVOS DA FÉ"
"Amar sem exigir compensação.
Colaborar para o bem nos lugares onde se nos afigure solidamente instalado.
Aguardar sempre o melhor, ainda mesmo nas piores situações.
Compreender os cooperadores das tarefas em que estejamos, quando se afastam de nós, doando-lhes tranquilidade, com as nossas expressões de simpatia e entendimento, a fim de que se sintam livres de quaisquer compromissos.
Sofrer e chorar, quando as provações da existência a isso nos induzam, mas prosseguir trabalhando e servindo sempre.
Desculpar ofensas, com a certeza de que os erros dos outros poderiam ser nossos.
Não nos queixarmos de ninguém.
Respeitar a liberdade alheia.
Abençoar e auxiliar, sem exigências, a todos aqueles que não nos aceitem os princípios e nem pensem por nossa cabeça.
Repetir indefinidamente, esta ou aquela prestação de serviço, com inteiro esquecimento de nossos próprios interesses.
Sabemos que o progresso da ciência, na atualidade da Terra, levanta máquinas e realizações admiráveis que assombram a vida comunitária, mas não podemos esquecer que a fé constrói prodígios, na área dos sentimentos, prodígios que não compramos em supermercados e nem podemos pedir ao mais eficiente computador."
(“Confia E Segue”, Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)
Colaborar para o bem nos lugares onde se nos afigure solidamente instalado.
Aguardar sempre o melhor, ainda mesmo nas piores situações.
Compreender os cooperadores das tarefas em que estejamos, quando se afastam de nós, doando-lhes tranquilidade, com as nossas expressões de simpatia e entendimento, a fim de que se sintam livres de quaisquer compromissos.
Sofrer e chorar, quando as provações da existência a isso nos induzam, mas prosseguir trabalhando e servindo sempre.
Desculpar ofensas, com a certeza de que os erros dos outros poderiam ser nossos.
Não nos queixarmos de ninguém.
Respeitar a liberdade alheia.
Abençoar e auxiliar, sem exigências, a todos aqueles que não nos aceitem os princípios e nem pensem por nossa cabeça.
Repetir indefinidamente, esta ou aquela prestação de serviço, com inteiro esquecimento de nossos próprios interesses.
Sabemos que o progresso da ciência, na atualidade da Terra, levanta máquinas e realizações admiráveis que assombram a vida comunitária, mas não podemos esquecer que a fé constrói prodígios, na área dos sentimentos, prodígios que não compramos em supermercados e nem podemos pedir ao mais eficiente computador."
(“Confia E Segue”, Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)
domingo, 24 de abril de 2016
"EM VERDADE"
"O santo não condena o pecador. Ampara-o sem presunção.
*
O sábio não satiriza o ignorante. Esclarece-o fraternalmente.
*
O iluminado não insulta o que anda em trevas. Aclara-lhe a senda.
*
O orientador não acusa o aprendiz tateante. A ovelha insegura é a que mais
reclama o pastor.
*
O bom não persegue o mau. Ajuda-o a melhorar-se.
*
O forte não malsina o fraco. Auxilia-o a erguer-se.
*
O humilde não foge ao orgulhoso. Coopera silenciosamente, em favor dele.
*
O sincero a ninguém perturba. Harmoniza a todos.
*
O simples não critica o vaidoso. Socorre-o, sem alarde, sempre que necessário.
*
O cristão não odeia, nem fere. Segue ao Cristo, servindo ao mundo.
*
De outro modo, os títulos de virtude são meras capas exteriores que o tempo
desfaz."
(“Agenda Cristã”, André Luiz/Francisco Cândido Xavier)
sábado, 23 de abril de 2016
"PERDÃO E NÓS"
"Habitualmente, consideramos a
necessidade do perdão apenas quando alvejados por ofensas de caráter público, no
intercurso das quais recebemos tantos testemunhos de solidariedade, na esfera
dos amigos, que nos demoramos hipnotizados pelas manifestações afetivas, a
deixar-nos em mérito duvidoso.
A ciência do perdão, todavia, tão
indispensável ao equilíbrio, quanto o ar é imprescindível à existência, começa
na compreensão e na bondade, perante os diminutos pesares do mundo
íntimo.
Não apenas desculpar todos os
prejuízos e desvantagens, insultos e desconsiderações maiores que nos atinjam a
pessoa, mas suportar com paciência e esquecer completamente, mesmo nos
comentários mais simples, todas as pequeninas injustiças do cotidiano, como
sejam:
a observação
maliciosa;
a referência
pejorativa;
o apelo sem
resposta;
a gentileza
recusada;
o benefício
esquecido;
o gesto
áspero;
a voz
agressiva;
a palavra
impensada;
o sorriso
escarnecedor;
o apontamento
irônico;
a indiscrição
comprometedora;
o conceito
deprimente;
a acusação
injusta;
a exigência
descabida;
a omissão
injustificável;
o comentário
maledicente;
a desfeita
inesperada;
o menosprezo em
família;
a preterição sob qualquer
aspecto;
o recado
impiedoso...
Não nos iludamos em matéria de
indulgência.
Perdão não é recurso tão-somente
aplicável nas grandes dores morais, à feição do traje a rigor, unicamente usado
em horas de cerimônia. Todos os menos suscetíveis de erro e, por isso mesmo,
perdão é serviço de todo instante, mas, assim como o compositor não obtém a
sinfonia sem passar pelo solfejo, o perdão não existe, de nossa parte, ante os
agravos grandes, se não aprendemos a relevar as indelicadezas
pequenas."
(“Estude e Viva”, Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)
sexta-feira, 22 de abril de 2016
"VALORES"
"O que ninguém te furta é o que trazes dentro de ti — a tua alegria, a tua fé, a
tua luz.
Dinheiro, muita gente o tem; o que te pode diferenciar é a tua riqueza
interior.
Adquire sabedoria.
Não te precipites na apreciação das pessoas.
Nem te detenhas na aparência das coisas.
A Verdade não carece de interpretação.
Quem muito acumula ajunta peso desnecessário na alma.
Quem se apega ao que é transitório não evita a decepção.
O tempo passa depressa, e tudo deixarás de improviso, mas a tua essência
permanecerá intocada."
(”Vigiai e orai”, Irmão José/Carlos A. Baccelli)
quinta-feira, 21 de abril de 2016
"NAS TELAS DO CORAÇÃO"
"São de grandeza singular as telas sensíveis do coração,
de modo que refletem com segurança os acúmulos da
consciência.
O espírito é força pulsante da vida,
na vida de Deus. Colheu da sabedoria divina um celeiro de conhecimentos, no
tocante às leis que se irradiam em toda a criação. A consciência é, pois, uma
lavoura que desconhece limites, retratando a luz de todos os conhecimentos
adquiridos em todas as direções que possa alcançar em seu estado de
despertamento espiritual.
O espírito carrega consigo todos os
recursos para refletir a presença do Criador; basta que conheça a si mesmo e use
das suas possibilidades, nas linhas dos direitos e
deveres.
O corpo espiritual intermediário,
entre o espírito e o corpo físico, dotado de um poder plástico indescritível,
não se altera com as naturais alterações humanas; no entanto, é sensível e
obediente aos pensamentos do espírito que o comanda e, de certo modo, é um
arquivo mais presente e consciente, atendendo-o nas suas necessidades, mesmo
limitadas, neste campo que somente a consciência é o depósito universal do
espírito.
É bom que reconheçamos que todos os
guardados podem ser negativos ou positivos, dependendo da inteligência que os
acumula.
No corpo espiritual se veem muitos
centros de força que ajudam o coração, no intercâmbio da consciência profunda, a
transformar em sentimentos as leis naturais, escritas por Deus na natureza,
ampliando seus valores e dotando o consciente das instruções
valiosas
de como
pensar
de como
idealizar
de como
sentir
de como
analisar
de como
falar
de como
escrever
de como
amar...
na sequência da própria
existência que a criatura leva, para que essa vida se organize e exemplifique os
ensinamentos do Divino Mestre.
Meu filho, sê consciente dos teus
sentimentos, pensando e sentindo bem com a ajuda das telas do coração, para que
as verdades espirituais possam refletir o entendimento divino, onde o amor a
Deus e ao próximo estejam sobre todas as coisas.
A vida é um eterno plantio, bem o
sabes; somente colheremos o que semeamos pelos caminhos que percorremos.
Roguemos ao Senhor que faça surgir em nossos roteiros as oportunidades de
ofertar à Terra sementes de luz que façam nascer em nós, nas telas dos nossos
corações, a árvore de Deus, para que o Cristo fique conosco hoje e
sempre."
(“Páginas Esparsas 1”, Miramez/João Nunes Maia)
quarta-feira, 20 de abril de 2016
"NA CONSTRUÇÃO DO MESTRE"
“Ora, vós sois o corpo do Cristo e seus membros em particular”.– Paulo (I
Coríntios, 12:27)
"O Evangelho não nos convida à confiança preguiçosa nos poderes do Cristo, qual se estivéssemos assalariados para funcionar em claques de adoração vazia.
O apóstolo Paulo faz-nos sentir toda a extensão da responsabilidade que nos compete à frente da Boa Nova.
Cada cristão é parte viva do corpo de princípios do Mestre, com serviço em particular.
Não te iludas, assim, fixando-te exclusivamente em afirmações labiais de fé no Senhor, sem adesão do próprio esforço ao trabalho edificante que nos foi reservado.
Sentindo, pensando, falando e ainda nessa ou naquela ocorrência, é indispensável compreender que é preciso sentir, pensar, falar e agir, como se o Mestre estivesse sentido, pensando, falando e agindo em nós e por nós.
Alguém provavelmente dirá que isso seria atrevida superestimação de nós próprios; entretanto, apesar de nossas evidentes imperfeições, é forçoso começar a viver no Senhor para que o Senhor viva onde nos cabe viver.
Para isso, perguntemos diariamente a nós mesmos como faria Jesus o que estamos fazendo, porque, sendo o Cristo o dirigente e mentor de nossa fé, todos nós, servos dele, somos chamados, no setor da atividade individual, a defini-lo e tratá-lo com fiel expressão."
(“Palavras de Vida Eterna” , Emmanuel/ Francisco Cândido Xavier)
terça-feira, 19 de abril de 2016
"CARÁTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA"
"13. Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa
ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. Participa
da revelação divina, porque foi providencial o seu aparecimento e não o
resultado da iniciativa, nem de um desígnio premeditado do homem; porque
os pontos fundamentais da Doutrina provêm do ensino que deram os
Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de coisas
que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes
importa conhecer, hoje os homens estão aptos a compreendê-las. Participa
da revelação científica, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum,
mas sim ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que
o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho
da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-
-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas, ao contrário, recomendado;
enfim, porque a Doutrina não foi ditada completa, nem imposta
à crença cega, porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação
dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe
dão, instruções que o homem estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele
próprio as ilações e aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a revelação
espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua
elaboração fruto do trabalho do homem."
("A Génese", Allan Kardec)
("A Génese", Allan Kardec)
segunda-feira, 18 de abril de 2016
"NAS SENDAS DO MUNDO"
"Deus, que nos auxilia
sempre, permite-nos possuir para que aprendamos também a
auxiliar.
-o-
Habitualmente, atraímos a riqueza e
supomos detê-la para sempre, adornando-nos com as facilidades que o ouro
proporciona... Um dia, porém, nas fronteiras da morte, somos despojados de todas
as posses exteriores, e, se algo nos fica, será simplesmente a plantação das
migalhas de amor que houvermos distribuído, creditadas em nosso nome pela
alegria, ainda mesmo precária e momentânea, daqueles que nos fizeram a bondade
de recebê-las.
-o-
Via de regra, amontoamos títulos de
poder e investimo-nos deles, enfeitando-nos com as vantagens que a influência
prodigaliza... Um dia, porém, nas fronteiras da morte, somos despojados de todas
as primazias de convenção, e, se algo nos fica, será simplesmente o saldo dos
pequenos favores que houvermos articulado, mantidos em nosso nome pelo alívio,
ainda mesmo insignificante e despercebido, daqueles que nos fizeram a gentileza
de aceitar-nos os impulsos fraternos.
-o-
Geralmente repetimos frases
santificantes, crendo-as definitivamente incorporadas ao nosso patrimônio
espiritual, ornando-nos com o prestígio que a frase brilhante atribui... Um dia,
porém, nas fronteiras da morte, somos despojados de todas as ilusões, e, se algo
nos fica, será simplesmente a estreita coleção dos benefícios que houvermos
feito, assinalados em nosso nome pelo conforto, ainda mesmo ligeiro e
desconhecido, daqueles que nos deram oportunidade e singelos ensaios de
elevação.
-o-
Serve onde estiveres e como puderes,
nos moldes da consciência tranquila.
Caridade não é tão-somente a divina
virtude, é também o sistema contábil do Universo, que nos permite a felicidade
de auxiliar para sermos auxiliados.
Um dia, nas alfândegas da morte,
toda a bagagem daquilo de que não necessitas ser-te-á confiscada; entretanto, as
Leis Divinas determinarão recolhas, com avultados juros de alegria, tudo o que
deste do que és, do que fazes, do que sabes e do que tens, em socorro dos
outros, transfigurando-te as concessões em valores eternos da alma, que te
assegurarão amplos recursos aquisitivos no Plano
Espiritual.
Não digas, assim, que a propriedade
não existe ou que não vale dispor disso ou daquilo.
Em verdade, devemos a Deus tudo o
que temos, mas possuímos o que damos."
domingo, 17 de abril de 2016
"MÉDIUNS ESCREVENTES"
"Médiuns escreventes são aqueles por cujas mãos os espíritos escrevem.
Para isso influenciam o braço e mão do médium.
Nesta classe de médiuns, distinguimos os seguintes :
Os médiuns escreventes mecânicos que não sabem que os espíritos
escrevem durante a manifestação; só saberão quando lerem a mensagem.
Estes médiuns são raros.
Os médiuns escreventes semi-mecânicos que sabem que os espíritos
escrevem, à medida que se formam as palavras. Estes médiuns são comuns.
Os médiuns escreventes por cujo meio os espíritos reproduzem a letra que
tinham quando encarnados e até a própria assinatura. Estes médiuns são
raros.
Os médiuns escreventes pelos quais os espíritos escrevem, porém, não
conseguem reproduzir a letra que tinham quando encarnados; seja qual for
o espírito comunicante, a letra é sempre a mesma, embora diferente do
médium. Estes médiuns são comuns.
Os Médiuns audientes são aqueles que ouvem os espíritos. Há duas
espécies de médiuns audientes:
1. Os que ouvem a voz dos espíritos, como se estivesse ouvindo a voz de
uma pessoa.
2. Os que ouvem a voz dos espíritos dentro de si mesmos.
No primeiro caso, os espíritos impressionam os nervos auditivos do
médium. No segundo, o perispírito do médium recebe o pensamento dos
espíritos e o médium o sente como se fosse uma voz interior.
Um médium audiente pode ouvir a voz dos espíritos, das duas maneiras ou
apenas de uma; conversa com os espíritos e transmite o que eles querem
dizer aos encarnados.
É uma mediunidade comum."
("A mediunidade sem lágrimas", ELiseu Rigonatti)
Para isso influenciam o braço e mão do médium.
Nesta classe de médiuns, distinguimos os seguintes :
Os médiuns escreventes mecânicos que não sabem que os espíritos
escrevem durante a manifestação; só saberão quando lerem a mensagem.
Estes médiuns são raros.
Os médiuns escreventes semi-mecânicos que sabem que os espíritos
escrevem, à medida que se formam as palavras. Estes médiuns são comuns.
Os médiuns escreventes por cujo meio os espíritos reproduzem a letra que
tinham quando encarnados e até a própria assinatura. Estes médiuns são
raros.
Os médiuns escreventes pelos quais os espíritos escrevem, porém, não
conseguem reproduzir a letra que tinham quando encarnados; seja qual for
o espírito comunicante, a letra é sempre a mesma, embora diferente do
médium. Estes médiuns são comuns.
Os Médiuns audientes são aqueles que ouvem os espíritos. Há duas
espécies de médiuns audientes:
1. Os que ouvem a voz dos espíritos, como se estivesse ouvindo a voz de
uma pessoa.
2. Os que ouvem a voz dos espíritos dentro de si mesmos.
No primeiro caso, os espíritos impressionam os nervos auditivos do
médium. No segundo, o perispírito do médium recebe o pensamento dos
espíritos e o médium o sente como se fosse uma voz interior.
Um médium audiente pode ouvir a voz dos espíritos, das duas maneiras ou
apenas de uma; conversa com os espíritos e transmite o que eles querem
dizer aos encarnados.
É uma mediunidade comum."
("A mediunidade sem lágrimas", ELiseu Rigonatti)
sábado, 16 de abril de 2016
"O FAROLEIRO DESPREVENIDO"
"O soldado Teofrasto, homem de excelente coração, fora nomeado faroleiro por Alcebíades,
na expedição da Sicília, a fim de orientar as embarcações em zona perigosa do mar.
Por ali, rochedos pontiagudos esperavam sem piedade as galeras invigilantes. Ainda mesmo fora da tempestade, quando a fúria dos deuses não soprava sibilante sobre a Terra, derribando casas e arvoredo, os pequenos e grandes barcos eram como que atraídos aos penhascos destruidores, qual ovelhas precipitadamente conduzidas ao matadouro.
Quantos viajantes havia já perdido a vida e os bens na traiçoeira passagem? Quantos pescadores incautos não mais regressaram à benção do lar? Ninguém sabia.
Preservando, porém, a sorte de seus comandados, o grande general situou Teofrasto no farol que se erguia na costa, com a missão de iluminar o caminho equóreo, dentro da noite. Para garantir-lhe o êxito, mandou-lhe emissários com vasta provisão de óleo puro. O servidor, honrado com semelhante mandato, permaneceria no ministério da luz contra as trevas, defendendo a salvação de todos os que transitassem pelas águas escuras.
De início, Teofrasto desenvolveu, sem dificuldade, a tarefa que lhe competia. Findo o crepúsculo, mantinha a luz acesa, revelando a rota libertadora.
Quando os vizinhos, porém, souberam que o soldado guardava um coração terno e bondoso, passaram a visitá-lo, amiúde. Realmente estimavam nele a cordialidade e a doçura, mas o que procuravam, no fundo, era a concessão de óleo destinado às pequenas necessidades que lhes eram próprias.
O soldado, a breve tempo, era cercado de envolventes apelos.
Antifon, o lavrador, veio pedir-lhe meio barril do combustível para os serões de sua fazenda. Eunice, a costureira, rogou-lhe duas ânforas cheias para terminar a confecção de algumas túnicas, além das horas do dia.
Embolo, o sapateiro, alegando que o pai agonizava, implorou-lhe a doação de alguns pratos de azeite, a fim de que o genitor não morresse às escuras. Crisóstomos, o fabricante de ungüentos, reclamou cinco potes destinados à manipulação de remédios. Cor Ciro, o negociante, implorou certa cota mais elevada para sustento de algumas tochas.
Todos os afeiçoados das redondezas, interessados em satisfazer as exigências domésticas, relacionaram solicitações simpáticas e comoventes.
Teofrasto, atingido na sensibilidade, distribuiu o combustível precioso pela ordem das rogativas.
Não podia sofrer o quadro angustioso, afirmava. As requisições, no seu parecer, eram justas e oportunas.
Assim foi que, ao término de duas semanas, se esgotou a reserva de doze meses.
O funcionário não pôde comunicar-se facilmente com os postos avançados de comando e, tão logo se apagou o farol solitário, por várias noites consecutivas os penhascos espatifaram embarcações de todos os matizes.
Prestigiosos contingentes de tropas perderam a vida.
Confiados pescadores jamais tornaram ao ninho familiar.
Comerciantes diversos, portadores de valiosas soluções e problemas inquietantes da luta humana, desceram aflitos ao abismo do mar.
Alcebíades, naturalmente indignado, exonerou o servidor do elevado encargo, recomendando lhe fosse aplicado às penas da lei.
O médium cristão é sempre um faroleiro com as reservas de óleo das possibilidades divinas, a benefício de todos os que navegam a pleno oceano da experiência terrestre, indicando-lhes os rochedos das trevas e descerrando-lhes o rumo salvador: todavia, quantos deles perdem a oportunidade de serviço vitorioso pela prisão indébita nos casos particulares que procedem geralmente de bagatelas da vida?"
("Contos e Apólogos", Irmão X/Francisco Cândido Xavier)
Por ali, rochedos pontiagudos esperavam sem piedade as galeras invigilantes. Ainda mesmo fora da tempestade, quando a fúria dos deuses não soprava sibilante sobre a Terra, derribando casas e arvoredo, os pequenos e grandes barcos eram como que atraídos aos penhascos destruidores, qual ovelhas precipitadamente conduzidas ao matadouro.
Quantos viajantes havia já perdido a vida e os bens na traiçoeira passagem? Quantos pescadores incautos não mais regressaram à benção do lar? Ninguém sabia.
Preservando, porém, a sorte de seus comandados, o grande general situou Teofrasto no farol que se erguia na costa, com a missão de iluminar o caminho equóreo, dentro da noite. Para garantir-lhe o êxito, mandou-lhe emissários com vasta provisão de óleo puro. O servidor, honrado com semelhante mandato, permaneceria no ministério da luz contra as trevas, defendendo a salvação de todos os que transitassem pelas águas escuras.
De início, Teofrasto desenvolveu, sem dificuldade, a tarefa que lhe competia. Findo o crepúsculo, mantinha a luz acesa, revelando a rota libertadora.
Quando os vizinhos, porém, souberam que o soldado guardava um coração terno e bondoso, passaram a visitá-lo, amiúde. Realmente estimavam nele a cordialidade e a doçura, mas o que procuravam, no fundo, era a concessão de óleo destinado às pequenas necessidades que lhes eram próprias.
O soldado, a breve tempo, era cercado de envolventes apelos.
Antifon, o lavrador, veio pedir-lhe meio barril do combustível para os serões de sua fazenda. Eunice, a costureira, rogou-lhe duas ânforas cheias para terminar a confecção de algumas túnicas, além das horas do dia.
Embolo, o sapateiro, alegando que o pai agonizava, implorou-lhe a doação de alguns pratos de azeite, a fim de que o genitor não morresse às escuras. Crisóstomos, o fabricante de ungüentos, reclamou cinco potes destinados à manipulação de remédios. Cor Ciro, o negociante, implorou certa cota mais elevada para sustento de algumas tochas.
Todos os afeiçoados das redondezas, interessados em satisfazer as exigências domésticas, relacionaram solicitações simpáticas e comoventes.
Teofrasto, atingido na sensibilidade, distribuiu o combustível precioso pela ordem das rogativas.
Não podia sofrer o quadro angustioso, afirmava. As requisições, no seu parecer, eram justas e oportunas.
Assim foi que, ao término de duas semanas, se esgotou a reserva de doze meses.
O funcionário não pôde comunicar-se facilmente com os postos avançados de comando e, tão logo se apagou o farol solitário, por várias noites consecutivas os penhascos espatifaram embarcações de todos os matizes.
Prestigiosos contingentes de tropas perderam a vida.
Confiados pescadores jamais tornaram ao ninho familiar.
Comerciantes diversos, portadores de valiosas soluções e problemas inquietantes da luta humana, desceram aflitos ao abismo do mar.
Alcebíades, naturalmente indignado, exonerou o servidor do elevado encargo, recomendando lhe fosse aplicado às penas da lei.
O médium cristão é sempre um faroleiro com as reservas de óleo das possibilidades divinas, a benefício de todos os que navegam a pleno oceano da experiência terrestre, indicando-lhes os rochedos das trevas e descerrando-lhes o rumo salvador: todavia, quantos deles perdem a oportunidade de serviço vitorioso pela prisão indébita nos casos particulares que procedem geralmente de bagatelas da vida?"
("Contos e Apólogos", Irmão X/Francisco Cândido Xavier)
sexta-feira, 15 de abril de 2016
"CURA DE UMA OBSESSÃO"
"O Sr. Dombre, presidente da Sociedade Espírita de
Marmande, manda-nos o seguinte:
“Com o auxílio dos Espíritos bons, em cinco dias livramos de uma obsessão muito violenta e perigosa uma mocinha de treze anos, em completo poder de um Espírito mau, desde 8 de maio último. Diariamente, às cinco horas da tarde, sem falhar um só dia, ela tinha crises terríveis, de causar piedade. Esta menina reside num bairro afastado e os pais, que consideravam a doença como epilepsia, nem mesmo falavam do caso. Todavia, um dos nossos, que mora nas vizinhanças, foi informado e uma observação mais atenta dos fatos o levou a reconhecer facilmente a verdadeira causa. Seguindo o conselho de nossos guias espirituais, imediatamente nos pusemos à obra. A 11 deste mês, às oito horas da noite, começaram nossas reuniões com vistas a evocar o Espírito, moralizá-lo, orar pelo obsessor e pela vítima e a exercer sobre esta uma magnetização mental. As reuniões ocorriam todas as noites e na sexta-feira, 15, a menina sofreu a última crise. Não lhe resta senão a fraqueza da convalescença, conseqüência de tão longas e tão violentas convulsões, e que se manifesta pela tristeza, pela languidez e pelas lágrimas, como nos havia sido anunciado. Éramos informados diariamente, pelas comunicações dos Espíritos bons, das diversas fases da moléstia.
“Essa cura, encarada noutros tempos como milagre, por uns, e como feitiçaria, por outros, pelo qual, segundo a opinião, teríamos sido santificados ou queimados, produziu certa sensação na cidade.”
Cumprimentamos os nossos irmãos de Marmande pelo resultado que obtiveram naquela circunstância e sentimo-nos felizes ao ver que aproveitam os conselhos contidos na Revista, a propósito de casos análogos relatados ultimamente. Assim, puderam convencer-se da força da ação coletiva, quando dirigida por uma fé sincera e uma ardente caridade."
("Revista Espírita", Fevereiro de 1864)
“Com o auxílio dos Espíritos bons, em cinco dias livramos de uma obsessão muito violenta e perigosa uma mocinha de treze anos, em completo poder de um Espírito mau, desde 8 de maio último. Diariamente, às cinco horas da tarde, sem falhar um só dia, ela tinha crises terríveis, de causar piedade. Esta menina reside num bairro afastado e os pais, que consideravam a doença como epilepsia, nem mesmo falavam do caso. Todavia, um dos nossos, que mora nas vizinhanças, foi informado e uma observação mais atenta dos fatos o levou a reconhecer facilmente a verdadeira causa. Seguindo o conselho de nossos guias espirituais, imediatamente nos pusemos à obra. A 11 deste mês, às oito horas da noite, começaram nossas reuniões com vistas a evocar o Espírito, moralizá-lo, orar pelo obsessor e pela vítima e a exercer sobre esta uma magnetização mental. As reuniões ocorriam todas as noites e na sexta-feira, 15, a menina sofreu a última crise. Não lhe resta senão a fraqueza da convalescença, conseqüência de tão longas e tão violentas convulsões, e que se manifesta pela tristeza, pela languidez e pelas lágrimas, como nos havia sido anunciado. Éramos informados diariamente, pelas comunicações dos Espíritos bons, das diversas fases da moléstia.
“Essa cura, encarada noutros tempos como milagre, por uns, e como feitiçaria, por outros, pelo qual, segundo a opinião, teríamos sido santificados ou queimados, produziu certa sensação na cidade.”
Cumprimentamos os nossos irmãos de Marmande pelo resultado que obtiveram naquela circunstância e sentimo-nos felizes ao ver que aproveitam os conselhos contidos na Revista, a propósito de casos análogos relatados ultimamente. Assim, puderam convencer-se da força da ação coletiva, quando dirigida por uma fé sincera e uma ardente caridade."
("Revista Espírita", Fevereiro de 1864)
quinta-feira, 14 de abril de 2016
"SOFREDORES INCONSCIENTES"
"Muitos dos nossos irmãos, que se estatelam sob o peso dos mais
aturdentes padeceres, não guardam o mínimo entendimento em torno do que vivem,
nem se aprestam, em razão disso, ao esforço superador.
Encontramos, de fato, aqueles que, embora açodados por lancinantes agonias,
mantêm-se acomodados ao seu ninho de agruras, como se assim devesse ser a vida,
sem qualquer manifestação nobilitante no sentido de modificar o ritmo das
coisas.
Temos os que, diante dos problemas, assumem atitude amadurecida, enquanto
faceando o tormento, procurando desfazer-lhe a causa, determinando o advento de
situações melhores.
Conhecemos outros que, perante a enfermidade soez, alteram múltiplos
dispositivos, antes comuns em suas vidas, ensejando a requisição da saúde,
evitando, desde então, as condições em que novamente se instale a aflição.
Presenciamos tantos companheiros da luta diária, que, quando enfrentam a sombra
da violência, buscam acender o facho da indulgência, sem que, com isto,
aplaudam o mal ou se amedrontem, neuroticamente; tomam as providências
cabíveis, para que o drama não volte a dar-se.
Em volta dos episódios com as criaturas, há, sem dúvida, muita dor, muito
sofrer. Entretanto, identificamos muita inconsciência, quando não renteamos a
omissão perigosa e aniquiladora dos ideais superiores.
O Espiritismo, na sua feição de Consolador, não louva a modorra, quando as
situações requerem disposição corajosa e lúcida.
Em seu empenho de renovar o ser humano, a Doutrina Espírita prescreve esforço
para o amor e para a instrução, admitindo que, pelo amor, desenvolveremos
paciência e afabilidade, para que nos advenha a resignação necessária, ante o
inevitável; porém, será por meio da elucidação, que o conhecimento engendra,
que lograremos resolver os problemas que nos alcancem e evitar, através de atitudes
claras e firmes, no bem, que os fatos infelizes e frustradores se repitam em
nossa estrada, ou, em caso de retornarem por outras mãos, não nos atinjam,
desestruturando-nos o âmago do ser.
Para que vivamos felizes, dentro dessa felicidade que a Terra já nos permite
fruir, será preciso enfrentar as lutas, verdadeiramente ásperas, contudo,
desenvolvendo a conscientização, quanto aos nossos recursos internos e
externos, que nos ajudem a conjurá-las."
"Cícero Pereira, na obra “Nossas Riquezas Maiores”, Diversos Espíritos/J. Raul Teixeira)
quarta-feira, 13 de abril de 2016
"UM OBJECTIVO PARA A VIDA"
"Nunca me esquecerei de uma palestra que proferi em uma pequena cidade do interior do estado de São Paulo.
Curiosamente, o único lugar disponível para a realização do nosso encontro era um cabaré, uma casa noturna. Dr. Flávio Pinheiro, o amigo que organizava o evento, esclareceu-me a situação:
— Divaldo, o único salão que há é o lugar de prazeres da cidade, pois a escola que havíamos reservado está interditada. Infelizmente choveu muito e os alicerces foram abalados. Você iria ao cabaré?
Eu respondi-lhe afirmativamente, interrogando-o:
— Como eu não iria?! Eu vou muito a ambientes como esse para visitar pessoas doentes, cumprindo a minha obrigação de exercitar a fraternidade. O problema é se as pessoas da cidade iriam à palestra num local incomum como esse.
— Se eu pedir, eles irão. Eu vou telefonar à esposa do prefeito, pois ela é espírita.
— E a esposa do juiz?
— Ela também o é. E se as duas forem à palestra todo mundo irá. Muita gente irá somente para ver quem estará presente! Então, irá todo mundo...
Ele convidou, e a esposa do juiz respondeu com muito entusiasmo:
— Eu tinha desejo de entrar num lugar desses para ver o que há por lá! Graças ao Espiritismo, finalmente irei conhecer!
Portanto, quando o meu amigo recorreu aos responsáveis pelo estabelecimento, pedi-lhe para ir antes ao local a fim de ver o ambiente. As pinturas eram muito “animadas”, o que nos levou a cobril-as com lençóis, que foram devidamente lavados e higienizados com produtos químicos. Pari tornar
o ambiente mais agradável, ele mandou lavar o piso com detergente. Por fim, colocou cadeiras para a palestra.
À noite, seguimos ao local anunciado. As senhoras e os cavalheiros, muito circunspectos, ficaram à porta de entrada. Eu cheguei com o Dr. Flávio, que era um médico muito bom e amado na cidade, e estranhamos que ninguém entrava. Ao vê-los naquela postura de receio, o nobre amigo comentou:
— A palestra será lá dentro! Não há motivo para ficarmos aqui.
O prefeito e o juiz, com suas respectivas esposas, tomaram a frente e entraram com imponência.
Vencendo o receio, todos começaram a segui-los para o interior do edifício, inclusive eu. Quando entramos, as pessoas que estavam curiosas ficaram decepcionadas porque não havia nada demais,
além dos quadros cobertos com lençóis brancos e o odor de detergente no ambiente.
Na palestra, eu aproveitei para falar sobre a história de Maria de Magdala, um tema apropriado para o local.
Ao terminar, comecei a atender a fila de pessoas que me cumprimentavam. Entre elas estava uma jovem, já num dos últimos lugares da fila, que se aproximou e timidamente falou-me:
— Ah! Eu queria tanto conhecer o senhor! Eu tive tanta dificuldade para vir!
Eu não entendi de imediato as razões dela, já que se tratava de uma cidade pequena e praticamente sem maiores problemas para as pessoas se deslocarem.
— Mas por que você teve tantas dificuldades, minha jovem?
— Porque ali na entrada havia um soldado separando quem entrava e quem não entrava. E eu sou uma mulher da noite.
Eu estava um pouco deslocado porque o nosso diálogo ocorria logo depois da palestra. Às vezes, durante a minha exposição, fico imerso em outra psicosfera. Demora um pouco para retornar à realidade objetiva. Daí, eu pensei: “O que será uma dama da noite?”. Mesmo sem entender, eu sorri para ela e continuamos conversando:
— E você gostou da palestra?
— Gostei, sim, senhor! Porque Maria de Magdala era igual a mim.
Somente, nesse instante, eu compreendi a realidade que moldava o sofrimento daquela jovem.
Ela insistiu nas explicações sobre a sua entrada no evento:
— Como eu disse ao senhor, quase que não consigo entrar aqui. Eu sou frequentadora da casa.
Mas hoje foi proibido pra nós. A polícia ficou vigiando tudo e nós somente poderíamos entrar depois da 1h da madrugada. Agora, era a festa só para os ricos. Então eu fiquei curiosa para saber o que iria acontecer aqui. Só entrei porque o guarda que controlava a porta também é meu cliente. Por
isso, ele me deixou passar, mas exigiu que eu trocasse de roupa. Eu estava vestida com a roupa do trabalho. Então eu me vesti como gente direita e vim. Gostei muito da sua palestra e fiquei apaixonada por Maria de Magdala! Eu gostaria muito de deixar esta vida! O que eu farei? Porque eu
sou daqui desta casa...
— Não, você não é daqui! Você está passando por aqui! Daqui é o piso, é o telhado, é a parede... Isto tudo vai ficar aqui. Você, não! Você está em trânsito.
Eu olhei-a bem, que era tão jovem e tão sofrida, e indaguei:
— Minha filha, por que você trabalha nessa profissão?
— Porque é a única coisa que eu sei fazer. Eu sou analfabeta. Não sei nada da vida.
Entendendo que ela necessitaria de mais tempo para receber orientações, propus-lhe:
Você gostaria de conversar comigo?
— Ah! Gostaria!
— Ouça minha filha, eu não poderei conversar mais com você agora porque tenho um compromisso dentro de alguns minutos. Mas se você quiser ir à casa do Dr. Flávio para conversarmos após a reunião, será muito bem recebida.
— Ah, Seu Divaldo, à casa do Dr. Flávio eu não irei! E porque ele é o médico do Posto de Saúde que me examina toda semana.
— Por que você não irá? Ele proíbe?
— O senhor sabe... Se uma mulher como eu for assim à casa dele será um escândalo! Será que ele me aceita?
— Creio que sim, se ele de fato for espírita. Vamos verificar.
Na mesma hora eu chamei o meu amigo para comunicar-lhe o desejo de atender à jovem, aguardando que ele, como verdadeiro espírita, não se opusesse. Ele era um homem admirável e eu lhe expliquei a situação:
— Dr. Flávio, eu convidei a nossa irmã para ir à sua casa conversar comigo. O senhor nos permite?
O caro amigo aquiesceu, o que provava que ele não era espírita somente no Centro, conforme acontece com outras pessoas. Há pessoas que dizem aderir ao Espiritismo, mas não procedem conforme nos recomenda o espírito de fraternidade sem julgamento.
— Claro, Divaldo! Minha casa está aberta! Você poderá convidar quem quiser. Será um prazer!
E voltando para ela falou lhe, gentilmente:
— Vá sim, minha cara! Quando você chegar, provavelmente nós não estaremos. Você entra e nos aguarda.
Desta forma, combinamos que eu atenderia ao meu compromisso e por volta da meia-noite, estaria de volta para vê-la.
Era o mês de junho e fazia muito frio. Quando chegamos à casa do Dr. Flávio, a jovem estava debaixo de uma árvore, tremendo de frio e aguardando-nos. Eu lhe indaguei:
— Por que você não entrou minha filha? Está frio!
— Eu fiquei com vergonha, Seu Divaldo!
E após algumas palavras de saudação, todos entramos na residência.
A família foi muito acolhedora com ela. Sentamo-nos na sala e eu atendi os convidados que o anfitrião havia chamado para nos cumprimentar. Depois que todos se foram eu comentei com ela:
— Agora, minha filha, poderemos conversar a noite toda, se for necessário!
— Eu já estou acostumada, Seu Divaldo. A noite é o meu dia.
— Eu também digo o mesmo! Também sou uma pessoa da noite! Adoro a noite, pois que trabalho muito nesse período!
Falei em um tom muito bem-humorado e expliquei-lhe que tenho por hábito, desde jovem, visitar pela madrugada pessoas doentes, obsidiadas ou com outros problemas, assim que concluo a palestra e o atendimento na Mansão do Caminho.
Dialogamos bastante. Ela era como uma filha que Deus me enviava de volta ao coração!
Quando se estava despedindo, ela comentou:
— O senhor nunca se vai arrepender do tempo que perdeu comigo!
— Mas eu não perdi tempo nenhum! Eu usei este tempo em sua companhia porque escolhi assim. E agradeço a você por ter-me dado a honra de vir conversar comigo!
Quando terminou nosso diálogo e ela finalmente se foi, já eram 5h da manhã. As 6h já deveríamos estar na estrada para seguir a uma cidade vizinha. Lavei o rosto, tomei um café ligeiro e viajamos.
Muitos anos se passaram após este episódio.
Dez anos depois eu voltei àquela cidade. Fiz a palestra em outro auditório e notei que a cidade havia progredido muito. Ao longo dos anos o município ficou conhecido como “a cidade dos bordados”.
Quando eu terminei a palestra, fui atender à fila e vi uma senhora linda, com um senhor mais velho ao seu lado. Ela deveria ser uns vinte anos mais jovem do que ele.
Ao chegar o momento de atendê-los, ela me deu um abraço com emoção indescritível e me perguntou:
— O senhor lembra-se de mim, senhor Divaldo?
— Claro que eu me lembro!
Realmente ela havia mudado muito, mas eu a reconheci imediatamente ao ouvir a sua voz. O senhor ao seu lado não pronunciou muitas palavras. Permaneceu reticente.
— Eu quero apresentar-lhe o meu marido — falou-me.
O marido aproximou-se e estendeu-me a mão com toda timidez, como é comum em muitas pessoas simples do interior.
— Meus parabéns! — congratulei-me com o cavalheiro. — Que boa escolha você fez ao se casar com ela!
A senhora fez uma pausa, olhou para o marido com ternura e prosseguiu:
— Seu Divaldo, eu gostava que o senhor fosse tomar o café da manhã lá em casa.
— Minha filha, eu não posso. Porque logo cedo eu viajarei a outra cidade e não posso atrasar-me.
Minha vida é como a dos ciganos. Eu monto o acampamento, a polícia vem, desmonta e eu mudo de lugar...
— Mas seria tão bom que o senhor fosse...
— Infelizmente, fica muito difícil. Eu darei uma entrevista em um programa de rádio às l0h e me levantarei muito cedo para evitar imprevistos,
Naquele tempo, muitas estradas não eram asfaltadas e os atrasos tornavam se constantes.
— O senhor irá levantar-se muito cedo mesmo?
— Irei sim.
— Então faça um esforço para se levantar um pouco mais cedo e passar lá em casa. Dr. Flávio sabe onde nós moramos.
Eu olhei para o meu anfitrião e ele balançou a cabeça, afirmativamente.
— Está bem. Eu tomarei café com vocês. Mas não faça nada demais. Somente o café, o leite, o bolo, o pão, o queijo, a manteiga... Essas bobagens que não são quase nada... E não se esqueça da batata cozida!
Todos sorrimos. Ela riu bastante e ele também, que até então estava com a fisionomia muito séria e em uma postura retraída. Na hora das despedidas ele me deu um abraço caloroso.
Nessa noite, eu quase não consegui dormir! A expectativa em ver as transformações que o amor de Deus pode produzir causou-me enorme ansiedade.
No dia seguinte, levantamo-nos às 5h. Fomos visitá-los às 5h30 para depois continuamos a viagem.
Quando chegamos, ela estava na porta com uma criança nos braços, o marido e mais oito crianças cujas idades formavam uma verdadeira escada descendente.
Em seguida, entramos na residência e demos continuidade àquela rápida visita. Conversamos muito e nos alimentamos muito bem. Aliás, ela fez uma mesa farta, um pouco além do que eu havia imaginado... Ela contou-me a sua história de vida, conforme a sequência que reproduzo em seguida.
“Depois daquela noite em que assisti à palestra, eu nunca mais fui a mesma! Naquela noite eu fui a casa em que recebia os clientes e pedi minhas contas. É muito difícil a gente sair de um lugar como aquele, onde eu trabalhava! O que a gente ganha é dividido em três partes: uma é da polícia,
dos policiais corruptos; a outra é do homem que agencia os encontros com os clientes; a terceira pertence à dona do lugar. E a mulher que vende o corpo fica com uma quota muito pequena, uma verdadeira miséria como recompensa pelo seu trabalho. E mais. Tudo que ela usa é alugado. Nada
lhe pertence de fato. Só o que ela rouba fica em suas mãos. Mas se tentar esconder qualquer parte do lucro e o agenciador descobrir, ele acaba matando-a sem piedade. Quando a mulher adoece é jogada para fora da pensão. Às vezes mandam matá-la com drogas, já que se torna um peso para
eles. É tragédia viver dessa forma! A realidade das chamadas “mulheres de vida fácil” muitas vezes não é tão fácil assim...
Daí, eu pedi as contas e disse para a dona da pensão:
— Eu vou trabalhar para pagar à senhora. Mas tenha a certeza de que eu não virei mais aqui!
Como eu possuía muitos débitos, precisava pagar para me ver livre das cobranças. Procurei um lugar para morar nos arredores da cidade. Não achei emprego, porque as pessoas são assim mesmo.
Todo mundo se posiciona contra a prostituição, mas ninguém dá oportunidade para quem quer sair dela. Então, eu fui trabalhar na lavoura. Porque aquela mulher, aquela tal de Maria de Magdala, não saía da minha cabeça!
Antes de ser meu marido, o companheiro que tenho ao meu lado era meu cliente das quartas-feiras.
Toda quarta-feira eu era alugada a ele. Por isso, na quarta-feira após a palestra do senhor, ele foi me ver. Quando chegou ao local, a tia, a dona da casa, informou que eu não estava mais. Ele ficou atônito e quis saber o que havia ocorrido:
— Mas o que é que aconteceu?
— Não sei — disse a senhora. — Eu só sei que ela foi embora porque não quer mais trabalhar aqui.
— Mas para onde ela foi?
— Não sei. Não é da minha conta!
E este homem começou a me procurar desesperadamente! Eu fui morar em uma viela, acomodada em um pequeno quarto. Todo dia eu acordava cedo, trabalhava na lavoura e voltava pata o meu quarto.
Como todos os colegas da lavoura me conheciam, quiseram me alugar, mas eu reagi:
— De jeito nenhum! Agora eu sou cortadora de cana-de-açúcar! Acabou a festa!
E nunca mais eu me permiti retornar à vida de antes!
Por fim, uma semana depois, o meu antigo cliente me encontrou em casa c quis entendei a situação:
— Mas que loucura lhe deu na cabeça? É porque você ganha pouco? — Eu estou disposto a pagar mais pelos seus serviços!
Mas eu respondi:
— Não! Não se trata disso. Eu simplesmente não quero mais!
— Como é que você largou a casa onde estava?
— Larguei a casa, larguei você e larguei todo mundo! E fora daqui, porque este quarto sou eu quem paga com meu trabalho na lavoura!
— Mas você era tão boa comigo!
— Porque você me pagava para que eu fosse boa com você. Eu notei que ele ficou assustado e insistiu:
— Quer dizer que você não vai voltar nunca mais?
— Não! Não vou voltar nunca mais! Ele me olhou fixamente e me perguntou:
— Então você quer ser minha namorada?
— Como é que pode? Começar agora pelo início uma coisa que já chegou ao final? Já fizemos tudo. Não há mais nenhuma novidade. Não dá para ser tudo ao contrário!
— Dá sim! Porque nós poderemos namorar, fazendo somente o que não experimentamos ainda, já que a outra parte nós já conhecemos. Vamos começar como se nunca houvesse acontecido nada entre nós.
— Vou pensar. Antes você era um cliente. Agora é diferente!
A proposta dele até que mexeu comigo. Só que eu não sabia como é que se namora. Por isso, para me garantir, ele ficava do lado de fora da janela, na rua, e eu do lado de dentro. Assim eu não corria “riscos”, ficávamos somente acariciando as mãos um do outro. Quando ele se entusiasmava
muito eu dizia:
— Pois bem! Já está na minha hora!
Daí eu me despedia, fechava e janela e ia dormir! Ah! Era tão bom namorar! Ele me levava tantos presentes... Tentava me agradar de todas as formas...
Um dia, ele me perguntou:
— Se você se casasse comigo, você iria me respeitar e não ter mais ninguém?
— É claro! Se eu por acaso quiser me casar com você...
— E o que eu tenho que fazer para você decidir?
— Conquistar-me! Porque antes você me alugava. Agora não. Vai ter que ser por amor!
— Já que você passou por lá, pela vida da prostituição, já sabe como é. Eu confio em você e a quero como minha esposa.
A partir daí, nós assumimos compromisso e tempos depois nos casamos. Foi então que eu fiquei sabendo que ele era um homem muito rico. Era dono de fazenda. Ele me levou para conhecer a sua propriedade e eu fiquei muito envergonhada. Porque agora eu era dona de fazenda! Imagine o meu
embaraço com os empregados da fazenda! Mas com o tempo eu me acostumei a ser dona de tudo aquilo.
Certa vez, quando estávamos visitando alguns serviços da fazenda, ele me falou:
— Eu quero ter um filho!
— Mas você sabe que eu não posso ter filhos.
— Mas eu quero ter uma criança!
— Eu já falei que não posso! Fiz uma cirurgia que me impediu de ter filhos, para não ter que cuidar de crianças enquanto trabalhava na noite. Porque no bordel é assim que acontece. Recebemos orientação para seduzir os homens e para não perder tempo com gravidez. Então eu não posso ter
filhos.
— Não estou dizendo que o nosso filho terá que ser gerado por você. Vamos adotar uma criança que não tenha pai nem mãe e vamos cuidar dela.
— Ah, sim! Dessa forma será possível.
Então adotamos uma criança que aumentou a nossa felicidade!
Quando a senhora concluiu a sua história a emoção tomou conta de mim! Ela o depoimento de alguém em busca de um recomeço que lhe exigia mudanças radicais. Ela me confidenciou:
— Na verdade, Seu Divaldo, eu era virgem quando trabalhava na noite!
Diante de uma afirmação surpreendente como essa eu indaguei, tentando entendê-la:
— Mas como, minha filha? Como alguém pode trabalhar com a prostituição e ser virgem?
— Eu era virgem na alma! — explicou-me. — Eu vendia o corpo, mas a alma nunca havia sido tocada! Era tudo automático. Eu não sentia nada quando estava no leito com aqueles homens que me pagavam! Mas o meu marido veio e me conquistou com muita delicadeza. Por isso eu o amei...
E um dia eu me entreguei a ele. Foi o primeiro contato íntimo que eu tive na minha vida...
A anfitriã prosseguiu o diálogo esclarecendo a respeito daquelas crianças:
— Eu fiz questão “do senhor” vir hoje aqui para que eu pudesse lhe mostrar a minha família. A cada ano, nós adotamos um filho, como fazem as famílias que têm filhos naturais. No intervalo de um ano, dá tempo “da gente” descansar para ter outro, não é? E nos últimos nove anos nós adotamos todas essas crianças, como se eu tivesse um filho a cada ano. E como sabíamos que o
senhor viria visitar a nossa cidade, nós adotamos este menino, o Divaldinho. Gostaríamos que o senhor pusesse a mão na cabeça dele e pedisse a Deus que o abençoasse.
Emocionado, eu abracei o Divaldinho, olhei para todas as crianças e falei:
— Vou pedir a Deus que abençoe todos os seus filhos, não apenas o Divaldinho.
Aquele foi um dos momentos mais gratificantes de toda a minha vida! Todos nos emocionamos.
Ela chorava e eu também.
Passaram-se aproximadamente quarenta anos e, ao longo desse período, eles se tornaram avós, mantendo um lar com dezasseis crianças. O lar possui sempre este número de integrantes. Quando alguns se emancipam, outros ingressam, de forma que fiquem sempre dezasseis.
Há pouco tempo, ele me informou que a sua esposa desencarnou105. Disse ainda que transformou a sua fazenda em um pequenino núcleo espírita, uma instituição muito simples do interior, e que estava rico de esperanças e de alegria com a presença dos netos.
Ao longo do tempo eles permaneceram jovens no ideal, pois encontraram um objetivo para a vida..."
"Sexo e Consciência", Divaldo Pereira Franco
Curiosamente, o único lugar disponível para a realização do nosso encontro era um cabaré, uma casa noturna. Dr. Flávio Pinheiro, o amigo que organizava o evento, esclareceu-me a situação:
— Divaldo, o único salão que há é o lugar de prazeres da cidade, pois a escola que havíamos reservado está interditada. Infelizmente choveu muito e os alicerces foram abalados. Você iria ao cabaré?
Eu respondi-lhe afirmativamente, interrogando-o:
— Como eu não iria?! Eu vou muito a ambientes como esse para visitar pessoas doentes, cumprindo a minha obrigação de exercitar a fraternidade. O problema é se as pessoas da cidade iriam à palestra num local incomum como esse.
— Se eu pedir, eles irão. Eu vou telefonar à esposa do prefeito, pois ela é espírita.
— E a esposa do juiz?
— Ela também o é. E se as duas forem à palestra todo mundo irá. Muita gente irá somente para ver quem estará presente! Então, irá todo mundo...
Ele convidou, e a esposa do juiz respondeu com muito entusiasmo:
— Eu tinha desejo de entrar num lugar desses para ver o que há por lá! Graças ao Espiritismo, finalmente irei conhecer!
Portanto, quando o meu amigo recorreu aos responsáveis pelo estabelecimento, pedi-lhe para ir antes ao local a fim de ver o ambiente. As pinturas eram muito “animadas”, o que nos levou a cobril-as com lençóis, que foram devidamente lavados e higienizados com produtos químicos. Pari tornar
o ambiente mais agradável, ele mandou lavar o piso com detergente. Por fim, colocou cadeiras para a palestra.
À noite, seguimos ao local anunciado. As senhoras e os cavalheiros, muito circunspectos, ficaram à porta de entrada. Eu cheguei com o Dr. Flávio, que era um médico muito bom e amado na cidade, e estranhamos que ninguém entrava. Ao vê-los naquela postura de receio, o nobre amigo comentou:
— A palestra será lá dentro! Não há motivo para ficarmos aqui.
O prefeito e o juiz, com suas respectivas esposas, tomaram a frente e entraram com imponência.
Vencendo o receio, todos começaram a segui-los para o interior do edifício, inclusive eu. Quando entramos, as pessoas que estavam curiosas ficaram decepcionadas porque não havia nada demais,
além dos quadros cobertos com lençóis brancos e o odor de detergente no ambiente.
Na palestra, eu aproveitei para falar sobre a história de Maria de Magdala, um tema apropriado para o local.
Ao terminar, comecei a atender a fila de pessoas que me cumprimentavam. Entre elas estava uma jovem, já num dos últimos lugares da fila, que se aproximou e timidamente falou-me:
— Ah! Eu queria tanto conhecer o senhor! Eu tive tanta dificuldade para vir!
Eu não entendi de imediato as razões dela, já que se tratava de uma cidade pequena e praticamente sem maiores problemas para as pessoas se deslocarem.
— Mas por que você teve tantas dificuldades, minha jovem?
— Porque ali na entrada havia um soldado separando quem entrava e quem não entrava. E eu sou uma mulher da noite.
Eu estava um pouco deslocado porque o nosso diálogo ocorria logo depois da palestra. Às vezes, durante a minha exposição, fico imerso em outra psicosfera. Demora um pouco para retornar à realidade objetiva. Daí, eu pensei: “O que será uma dama da noite?”. Mesmo sem entender, eu sorri para ela e continuamos conversando:
— E você gostou da palestra?
— Gostei, sim, senhor! Porque Maria de Magdala era igual a mim.
Somente, nesse instante, eu compreendi a realidade que moldava o sofrimento daquela jovem.
Ela insistiu nas explicações sobre a sua entrada no evento:
— Como eu disse ao senhor, quase que não consigo entrar aqui. Eu sou frequentadora da casa.
Mas hoje foi proibido pra nós. A polícia ficou vigiando tudo e nós somente poderíamos entrar depois da 1h da madrugada. Agora, era a festa só para os ricos. Então eu fiquei curiosa para saber o que iria acontecer aqui. Só entrei porque o guarda que controlava a porta também é meu cliente. Por
isso, ele me deixou passar, mas exigiu que eu trocasse de roupa. Eu estava vestida com a roupa do trabalho. Então eu me vesti como gente direita e vim. Gostei muito da sua palestra e fiquei apaixonada por Maria de Magdala! Eu gostaria muito de deixar esta vida! O que eu farei? Porque eu
sou daqui desta casa...
— Não, você não é daqui! Você está passando por aqui! Daqui é o piso, é o telhado, é a parede... Isto tudo vai ficar aqui. Você, não! Você está em trânsito.
Eu olhei-a bem, que era tão jovem e tão sofrida, e indaguei:
— Minha filha, por que você trabalha nessa profissão?
— Porque é a única coisa que eu sei fazer. Eu sou analfabeta. Não sei nada da vida.
Entendendo que ela necessitaria de mais tempo para receber orientações, propus-lhe:
Você gostaria de conversar comigo?
— Ah! Gostaria!
— Ouça minha filha, eu não poderei conversar mais com você agora porque tenho um compromisso dentro de alguns minutos. Mas se você quiser ir à casa do Dr. Flávio para conversarmos após a reunião, será muito bem recebida.
— Ah, Seu Divaldo, à casa do Dr. Flávio eu não irei! E porque ele é o médico do Posto de Saúde que me examina toda semana.
— Por que você não irá? Ele proíbe?
— O senhor sabe... Se uma mulher como eu for assim à casa dele será um escândalo! Será que ele me aceita?
— Creio que sim, se ele de fato for espírita. Vamos verificar.
Na mesma hora eu chamei o meu amigo para comunicar-lhe o desejo de atender à jovem, aguardando que ele, como verdadeiro espírita, não se opusesse. Ele era um homem admirável e eu lhe expliquei a situação:
— Dr. Flávio, eu convidei a nossa irmã para ir à sua casa conversar comigo. O senhor nos permite?
O caro amigo aquiesceu, o que provava que ele não era espírita somente no Centro, conforme acontece com outras pessoas. Há pessoas que dizem aderir ao Espiritismo, mas não procedem conforme nos recomenda o espírito de fraternidade sem julgamento.
— Claro, Divaldo! Minha casa está aberta! Você poderá convidar quem quiser. Será um prazer!
E voltando para ela falou lhe, gentilmente:
— Vá sim, minha cara! Quando você chegar, provavelmente nós não estaremos. Você entra e nos aguarda.
Desta forma, combinamos que eu atenderia ao meu compromisso e por volta da meia-noite, estaria de volta para vê-la.
Era o mês de junho e fazia muito frio. Quando chegamos à casa do Dr. Flávio, a jovem estava debaixo de uma árvore, tremendo de frio e aguardando-nos. Eu lhe indaguei:
— Por que você não entrou minha filha? Está frio!
— Eu fiquei com vergonha, Seu Divaldo!
E após algumas palavras de saudação, todos entramos na residência.
A família foi muito acolhedora com ela. Sentamo-nos na sala e eu atendi os convidados que o anfitrião havia chamado para nos cumprimentar. Depois que todos se foram eu comentei com ela:
— Agora, minha filha, poderemos conversar a noite toda, se for necessário!
— Eu já estou acostumada, Seu Divaldo. A noite é o meu dia.
— Eu também digo o mesmo! Também sou uma pessoa da noite! Adoro a noite, pois que trabalho muito nesse período!
Falei em um tom muito bem-humorado e expliquei-lhe que tenho por hábito, desde jovem, visitar pela madrugada pessoas doentes, obsidiadas ou com outros problemas, assim que concluo a palestra e o atendimento na Mansão do Caminho.
Dialogamos bastante. Ela era como uma filha que Deus me enviava de volta ao coração!
Quando se estava despedindo, ela comentou:
— O senhor nunca se vai arrepender do tempo que perdeu comigo!
— Mas eu não perdi tempo nenhum! Eu usei este tempo em sua companhia porque escolhi assim. E agradeço a você por ter-me dado a honra de vir conversar comigo!
Quando terminou nosso diálogo e ela finalmente se foi, já eram 5h da manhã. As 6h já deveríamos estar na estrada para seguir a uma cidade vizinha. Lavei o rosto, tomei um café ligeiro e viajamos.
Muitos anos se passaram após este episódio.
Dez anos depois eu voltei àquela cidade. Fiz a palestra em outro auditório e notei que a cidade havia progredido muito. Ao longo dos anos o município ficou conhecido como “a cidade dos bordados”.
Quando eu terminei a palestra, fui atender à fila e vi uma senhora linda, com um senhor mais velho ao seu lado. Ela deveria ser uns vinte anos mais jovem do que ele.
Ao chegar o momento de atendê-los, ela me deu um abraço com emoção indescritível e me perguntou:
— O senhor lembra-se de mim, senhor Divaldo?
— Claro que eu me lembro!
Realmente ela havia mudado muito, mas eu a reconheci imediatamente ao ouvir a sua voz. O senhor ao seu lado não pronunciou muitas palavras. Permaneceu reticente.
— Eu quero apresentar-lhe o meu marido — falou-me.
O marido aproximou-se e estendeu-me a mão com toda timidez, como é comum em muitas pessoas simples do interior.
— Meus parabéns! — congratulei-me com o cavalheiro. — Que boa escolha você fez ao se casar com ela!
A senhora fez uma pausa, olhou para o marido com ternura e prosseguiu:
— Seu Divaldo, eu gostava que o senhor fosse tomar o café da manhã lá em casa.
— Minha filha, eu não posso. Porque logo cedo eu viajarei a outra cidade e não posso atrasar-me.
Minha vida é como a dos ciganos. Eu monto o acampamento, a polícia vem, desmonta e eu mudo de lugar...
— Mas seria tão bom que o senhor fosse...
— Infelizmente, fica muito difícil. Eu darei uma entrevista em um programa de rádio às l0h e me levantarei muito cedo para evitar imprevistos,
Naquele tempo, muitas estradas não eram asfaltadas e os atrasos tornavam se constantes.
— O senhor irá levantar-se muito cedo mesmo?
— Irei sim.
— Então faça um esforço para se levantar um pouco mais cedo e passar lá em casa. Dr. Flávio sabe onde nós moramos.
Eu olhei para o meu anfitrião e ele balançou a cabeça, afirmativamente.
— Está bem. Eu tomarei café com vocês. Mas não faça nada demais. Somente o café, o leite, o bolo, o pão, o queijo, a manteiga... Essas bobagens que não são quase nada... E não se esqueça da batata cozida!
Todos sorrimos. Ela riu bastante e ele também, que até então estava com a fisionomia muito séria e em uma postura retraída. Na hora das despedidas ele me deu um abraço caloroso.
Nessa noite, eu quase não consegui dormir! A expectativa em ver as transformações que o amor de Deus pode produzir causou-me enorme ansiedade.
No dia seguinte, levantamo-nos às 5h. Fomos visitá-los às 5h30 para depois continuamos a viagem.
Quando chegamos, ela estava na porta com uma criança nos braços, o marido e mais oito crianças cujas idades formavam uma verdadeira escada descendente.
Em seguida, entramos na residência e demos continuidade àquela rápida visita. Conversamos muito e nos alimentamos muito bem. Aliás, ela fez uma mesa farta, um pouco além do que eu havia imaginado... Ela contou-me a sua história de vida, conforme a sequência que reproduzo em seguida.
“Depois daquela noite em que assisti à palestra, eu nunca mais fui a mesma! Naquela noite eu fui a casa em que recebia os clientes e pedi minhas contas. É muito difícil a gente sair de um lugar como aquele, onde eu trabalhava! O que a gente ganha é dividido em três partes: uma é da polícia,
dos policiais corruptos; a outra é do homem que agencia os encontros com os clientes; a terceira pertence à dona do lugar. E a mulher que vende o corpo fica com uma quota muito pequena, uma verdadeira miséria como recompensa pelo seu trabalho. E mais. Tudo que ela usa é alugado. Nada
lhe pertence de fato. Só o que ela rouba fica em suas mãos. Mas se tentar esconder qualquer parte do lucro e o agenciador descobrir, ele acaba matando-a sem piedade. Quando a mulher adoece é jogada para fora da pensão. Às vezes mandam matá-la com drogas, já que se torna um peso para
eles. É tragédia viver dessa forma! A realidade das chamadas “mulheres de vida fácil” muitas vezes não é tão fácil assim...
Daí, eu pedi as contas e disse para a dona da pensão:
— Eu vou trabalhar para pagar à senhora. Mas tenha a certeza de que eu não virei mais aqui!
Como eu possuía muitos débitos, precisava pagar para me ver livre das cobranças. Procurei um lugar para morar nos arredores da cidade. Não achei emprego, porque as pessoas são assim mesmo.
Todo mundo se posiciona contra a prostituição, mas ninguém dá oportunidade para quem quer sair dela. Então, eu fui trabalhar na lavoura. Porque aquela mulher, aquela tal de Maria de Magdala, não saía da minha cabeça!
Antes de ser meu marido, o companheiro que tenho ao meu lado era meu cliente das quartas-feiras.
Toda quarta-feira eu era alugada a ele. Por isso, na quarta-feira após a palestra do senhor, ele foi me ver. Quando chegou ao local, a tia, a dona da casa, informou que eu não estava mais. Ele ficou atônito e quis saber o que havia ocorrido:
— Mas o que é que aconteceu?
— Não sei — disse a senhora. — Eu só sei que ela foi embora porque não quer mais trabalhar aqui.
— Mas para onde ela foi?
— Não sei. Não é da minha conta!
E este homem começou a me procurar desesperadamente! Eu fui morar em uma viela, acomodada em um pequeno quarto. Todo dia eu acordava cedo, trabalhava na lavoura e voltava pata o meu quarto.
Como todos os colegas da lavoura me conheciam, quiseram me alugar, mas eu reagi:
— De jeito nenhum! Agora eu sou cortadora de cana-de-açúcar! Acabou a festa!
E nunca mais eu me permiti retornar à vida de antes!
Por fim, uma semana depois, o meu antigo cliente me encontrou em casa c quis entendei a situação:
— Mas que loucura lhe deu na cabeça? É porque você ganha pouco? — Eu estou disposto a pagar mais pelos seus serviços!
Mas eu respondi:
— Não! Não se trata disso. Eu simplesmente não quero mais!
— Como é que você largou a casa onde estava?
— Larguei a casa, larguei você e larguei todo mundo! E fora daqui, porque este quarto sou eu quem paga com meu trabalho na lavoura!
— Mas você era tão boa comigo!
— Porque você me pagava para que eu fosse boa com você. Eu notei que ele ficou assustado e insistiu:
— Quer dizer que você não vai voltar nunca mais?
— Não! Não vou voltar nunca mais! Ele me olhou fixamente e me perguntou:
— Então você quer ser minha namorada?
— Como é que pode? Começar agora pelo início uma coisa que já chegou ao final? Já fizemos tudo. Não há mais nenhuma novidade. Não dá para ser tudo ao contrário!
— Dá sim! Porque nós poderemos namorar, fazendo somente o que não experimentamos ainda, já que a outra parte nós já conhecemos. Vamos começar como se nunca houvesse acontecido nada entre nós.
— Vou pensar. Antes você era um cliente. Agora é diferente!
A proposta dele até que mexeu comigo. Só que eu não sabia como é que se namora. Por isso, para me garantir, ele ficava do lado de fora da janela, na rua, e eu do lado de dentro. Assim eu não corria “riscos”, ficávamos somente acariciando as mãos um do outro. Quando ele se entusiasmava
muito eu dizia:
— Pois bem! Já está na minha hora!
Daí eu me despedia, fechava e janela e ia dormir! Ah! Era tão bom namorar! Ele me levava tantos presentes... Tentava me agradar de todas as formas...
Um dia, ele me perguntou:
— Se você se casasse comigo, você iria me respeitar e não ter mais ninguém?
— É claro! Se eu por acaso quiser me casar com você...
— E o que eu tenho que fazer para você decidir?
— Conquistar-me! Porque antes você me alugava. Agora não. Vai ter que ser por amor!
— Já que você passou por lá, pela vida da prostituição, já sabe como é. Eu confio em você e a quero como minha esposa.
A partir daí, nós assumimos compromisso e tempos depois nos casamos. Foi então que eu fiquei sabendo que ele era um homem muito rico. Era dono de fazenda. Ele me levou para conhecer a sua propriedade e eu fiquei muito envergonhada. Porque agora eu era dona de fazenda! Imagine o meu
embaraço com os empregados da fazenda! Mas com o tempo eu me acostumei a ser dona de tudo aquilo.
Certa vez, quando estávamos visitando alguns serviços da fazenda, ele me falou:
— Eu quero ter um filho!
— Mas você sabe que eu não posso ter filhos.
— Mas eu quero ter uma criança!
— Eu já falei que não posso! Fiz uma cirurgia que me impediu de ter filhos, para não ter que cuidar de crianças enquanto trabalhava na noite. Porque no bordel é assim que acontece. Recebemos orientação para seduzir os homens e para não perder tempo com gravidez. Então eu não posso ter
filhos.
— Não estou dizendo que o nosso filho terá que ser gerado por você. Vamos adotar uma criança que não tenha pai nem mãe e vamos cuidar dela.
— Ah, sim! Dessa forma será possível.
Então adotamos uma criança que aumentou a nossa felicidade!
Quando a senhora concluiu a sua história a emoção tomou conta de mim! Ela o depoimento de alguém em busca de um recomeço que lhe exigia mudanças radicais. Ela me confidenciou:
— Na verdade, Seu Divaldo, eu era virgem quando trabalhava na noite!
Diante de uma afirmação surpreendente como essa eu indaguei, tentando entendê-la:
— Mas como, minha filha? Como alguém pode trabalhar com a prostituição e ser virgem?
— Eu era virgem na alma! — explicou-me. — Eu vendia o corpo, mas a alma nunca havia sido tocada! Era tudo automático. Eu não sentia nada quando estava no leito com aqueles homens que me pagavam! Mas o meu marido veio e me conquistou com muita delicadeza. Por isso eu o amei...
E um dia eu me entreguei a ele. Foi o primeiro contato íntimo que eu tive na minha vida...
A anfitriã prosseguiu o diálogo esclarecendo a respeito daquelas crianças:
— Eu fiz questão “do senhor” vir hoje aqui para que eu pudesse lhe mostrar a minha família. A cada ano, nós adotamos um filho, como fazem as famílias que têm filhos naturais. No intervalo de um ano, dá tempo “da gente” descansar para ter outro, não é? E nos últimos nove anos nós adotamos todas essas crianças, como se eu tivesse um filho a cada ano. E como sabíamos que o
senhor viria visitar a nossa cidade, nós adotamos este menino, o Divaldinho. Gostaríamos que o senhor pusesse a mão na cabeça dele e pedisse a Deus que o abençoasse.
Emocionado, eu abracei o Divaldinho, olhei para todas as crianças e falei:
— Vou pedir a Deus que abençoe todos os seus filhos, não apenas o Divaldinho.
Aquele foi um dos momentos mais gratificantes de toda a minha vida! Todos nos emocionamos.
Ela chorava e eu também.
Passaram-se aproximadamente quarenta anos e, ao longo desse período, eles se tornaram avós, mantendo um lar com dezasseis crianças. O lar possui sempre este número de integrantes. Quando alguns se emancipam, outros ingressam, de forma que fiquem sempre dezasseis.
Há pouco tempo, ele me informou que a sua esposa desencarnou105. Disse ainda que transformou a sua fazenda em um pequenino núcleo espírita, uma instituição muito simples do interior, e que estava rico de esperanças e de alegria com a presença dos netos.
Ao longo do tempo eles permaneceram jovens no ideal, pois encontraram um objetivo para a vida..."
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