"Por que os Espíritos evocados por um
sentimento de afeição muitas vezes se recusam a dar provas
incontestáveis de sua identidade?"
"Compreende-se todo o valor ligado às
provas de identidade da parte dos Espíritos que nos são caros. Tal
sentimento é muito natural e parece que pelo fato dos Espíritos poderem
manifestar-se deve ser-lhes muito fácil atestar a sua personalidade. A
falta de provas materiais é, para certas pessoas, sobretudo para as que
não conhecem o mecanismo da mediunidade, isto é, a lei das relações
entre os Espíritos e os homens, uma causa de dúvida e de penosa
incerteza. Embora tenhamos tratado várias vezes desta questão, vamos
examiná-la novamente, para responder a algumas perguntas que nos são
dirigidas.
Nada temos a acrescentar ao que foi dito
sobre a identidade dos Espíritos que vêm unicamente para a nossa
instrução, e que deixaram a Terra há algum tempo. Sabemos que ela não
pode ser atestada de maneira absoluta e que devemo-nos limitar ao
julgamento do valor da linguagem.
A identidade não pode ser constatada com
certeza senão para os Espíritos que partiram recentemente, cujo caráter
e hábitos se refletem em suas palavras. Nestes, a identidade se revela
por mil particularidades. Algumas vezes a prova ressalta de fatos
materiais, característicos, mas o mais das vezes de nuanças da própria
linguagem e de uma porção de pequenos nadas que, por serem pouco
evidentes, não são menos significativos.
Muitas vezes as comunicações deste
gênero encerram mais provas do que se pensa, e que descobrimos com mais
atenção e menos prevenção. Infelizmente, na maior parte do tempo, as
pessoas não se contentam com o que o Espírito quer ou pode dar; querem
provas à sua maneira; pedem-lhe para dizer ou fazer isto ou aquilo; que
lembre um nome ou um fato, e isso num momento dado, sem pensar nos
obstáculos que por vezes a isto se opõem, e paralisam a sua boa vontade. Depois,
obtido o que desejam, muitas vezes querem mais. Acham que ainda não é
bastante concludente; após um fato, pedem outro e mais outro. Numa
palavra, nunca têm bastante para se convencer. É então que, muitas
vezes, fatigado por tal insistência, o Espírito cessa completamente de
se manifestar, esperando que a convicção chegue por outros meios. Mas
muitas vezes também sua abstenção lhe é imposta por uma vontade
superior, como punição ao solicitante muito exigente, e também como
prova para a sua fé, porque, se por algumas decepções e não obtenção do
que quer e pela maneira pela qual o quer, ele viesse a abandonar os
Espíritos, esses por sua vez o abandonariam, deixando-o mergulhado nas
angústias e nas torturas da dúvida, feliz quando o seu abandono não tem
consequências mais graves.
Mas, numa porção de casos, as provas
materiais de identidade são independentes da vontade do Espírito e do
desejo que ele tem de as dar. Isto se deve à natureza ou ao estado do
instrumento pelo qual ele se comunica. Há na faculdade mediúnica uma
infinita variedade de nuanças que tornam o médium apto ou impróprio à
obtenção de tais ou quais efeitos que, à primeira vista, parecem
idênticos, mas que dependem de influências fluídicas diferentes. O
médium é como um instrumento de muitas cordas, e não pode emitir som
pelas cordas que lhe faltam.
Eis um exemplo notável:
Conhecemos um médium que pode ser posto
entre os de primeira ordem, tanto pela natureza das instruções que
recebe quanto pela aptidão para se comunicar com quase todos os
Espíritos, sem distinção. Inúmeras vezes, em evocações particulares,
obteve irrefutáveis provas de identidade, pela reprodução da linguagem e
do caráter de pessoas que jamais tinha conhecido. Há algum tempo, fez
para uma pessoa que acabava de perder subitamente vários filhos, a
evocação de um destes últimos, uma menina. A comunicação refletia
perfeitamente o caráter da menina e era tanto mais satisfatória porque
respondia a uma dúvida do pai acerca de sua posição como Espírito.
Contudo, só havia provas de certo modo morais. O pai achava que um outro
filho teria podido dizer o mesmo; queria algo que só a filha pudesse
dizer; admirava-se, sobretudo de que o chamasse de pai, em vez do
apelido familiar que lhe dava, e que não era um nome francês, partindo
da ideia de que se ela dizia uma palavra, podia dizer-lhe outra. Tendo o
pai perguntado a razão, eis a resposta que, a respeito, deu o guia do
médium:
“Embora inteiramente desprendida, vossa
filhinha não estaria em condições de vos fazer compreender por que ela
não pode fazer com que o médium repita os termos por vós conhecidos que
ela lhe transmite. Ela obedece a uma lei em se comunicando, mas não a
compreende suficientemente para explicar o seu mecanismo. A mediunidade é
uma faculdade cujas nuanças variam ao infinito e os médiuns que de
ordinário tratam de assuntos filosóficos só obtém raramente, e sempre
espontaneamente, essas particularidades que fazem reconhecer a
personalidade do Espírito de maneira evidente. Quando os médiuns desse
gênero pedem uma prova de identidade, no desejo de satisfazer o
evocador, as fibras cerebrais tensas por seu desejo já não são bastante
maleáveis para que o Espírito as faça mover-se à sua vontade. Daí se
segue que as palavras características não podem ser reproduzidas. O
pensamento fica, mas a forma não mais existe. Não há, pois, nada de
estranhável que vossa filha vos tenha chamado de pai em vez de
vos dar a qualificação familiar que esperáveis. Por um médium especial
obtereis resultados que vos satisfarão. É só ter um pouco de paciência.”
Depois de alguns dias, achando-se esse
senhor no grupo de um dos nossos membros, obteve de outro médium, pela
tiptologia, e em presença do primeiro, não só o nome que desejava, sem
que tivesse pedido especialmente, mas outros fatos de notável precisão.
Assim, a faculdade do primeiro médium, por mais desenvolvida e flexível
que fosse, não se prestava a esse gênero de produção mediúnica. Ele
podia reproduzir as palavras que são a tradução do pensamento
transmitido, e não termos que exigem um trabalho especial. Por isso, o
conjunto da comunicação refletia o caráter e a disposição das ideias do
Espírito, mas sem sinais materiais característicos. Um médium não é um
mecanismo próprio para todos os efeitos. Assim como não se encontram
duas pessoas inteiramente semelhantes no físico e no moral, não há dois
médiuns cuja faculdade seja absolutamente idêntica.
É de notar que as provas de identidade
quase sempre vêm espontaneamente, no momento em que menos se pensa, ao
passo que são dadas raramente quando pedidas. Capricho da parte do
Espírito? Não; há uma causa material, que é a seguinte.
As disposições fluídicas que estabelecem
as relações entre o Espírito e o médium oferecem nuanças de extrema
delicadeza, inapreciáveis por nossos sentidos e que variam de um momento
a outro no mesmo médium. Muitas vezes um efeito que não é possível num
desejado momento, sê-lo-á uma hora, um dia ou uma semana mais tarde,
porque as disposições ou a energia das correntes fluídicas terão mudado.
Dá-se aqui como se dá na fotografia, em que uma simples variação na
intensidade ou na direção da luz basta para favorecer ou impedir a
reprodução da imagem. Um poeta faz versos à vontade? Não. É-lhe
necessária a inspiração; se não estiver em condições favoráveis, por
mais que cave o cérebro, nada obtém. Perguntai-lhe por quê. Nas
evocações, o Espírito deixado à vontade aproveita disposições que
encontra no médium, aproveita o momento propício. Mas, quando essas
disposições não existem, ele não pode mais que o fotógrafo com a
ausência de luz. A despeito de seu desejo, portanto, ele não pode sempre
satisfazer instantaneamente a um pedido de provas de identidade. Eis
por que é preferível esperá-las em vez de solicitá-las.
Além disto, é preciso considerar que as
relações fluídicas que devem existir entre o Espírito e o médium jamais
se estabelecem completamente desde a primeira vez, pois a assimilação só
se faz com o tempo e gradualmente. Disso resulta que, inicialmente, o
Espírito sempre experimenta uma dificuldade que influi na clareza, na
precisão e no desenvolvimento das comunicações, ao passo que, quando o
Espírito e o médium estão habituados um ao outro, quando seus fluidos
estão identificados, as comunicações se dão naturalmente, porque não há
mais resistências a vencer.
Vê-se por aí quantas considerações há
que levar em conta no exame das comunicações. É por não fazê-lo e por
não conhecer as leis que regem essas espécies de fenômenos que muitas
vezes se pede o que é impossível. É absolutamente como se alguém que não
conhecesse as leis da eletricidade se admirasse que o telégrafo pudesse
experimentar variações e interrupções e concluísse que a eletricidade
não existe.
O fato da constatação da identidade de
certos Espíritos é um acessório no vasto conjunto dos resultados que o
Espiritismo abarca. Se essa constatação fosse impossível, ela nada
prejulgaria contra as manifestações em geral, nem contra as
consequências morais daí decorrentes. Seria preciso lamentar os que se
privassem das consolações que ela proporciona, por não terem obtido uma
satisfação pessoal, pois isto seria sacrificar o todo à parte."
("Revista Espírita", Allan Kardec - Julho 1866)
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