sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

"NÃO PERDOAR"

        "Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiúva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.
        Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:
        — Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.
        Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.
        — Manda-o entrar, ordenou o político.
        — Doutor, roga o moço, preso, em lágrimas, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos... Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção... Ser o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor...
        O notável político, cioso da própria tranquilidade, respondeu:
        — De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição.
        Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guiza de resposta indireta:
        — Bezerra, eu não perdôo...
        Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:
        — Ah! você não perdoa!
        Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:
        — Não perdôo . E você acha que estou fora do meu direito?
        O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:
        — Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre...
        A observação penetrou Quintino como um raio.
        O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caia em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:
        — Solte o homem. O caso está liquidado.
        E para o moço que mostrava profundo agradecimento:
        — Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.
        Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado."

(“Lindos casos de Bezerra de Menezes”,  Ramiro Gama)

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