segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

"ELES VIVERÃO"



 "Onze anos após a crucificação do Mestre, Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi violentamente arrebatado por esbirros do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a processo infamante.

 Arrancado ao pouso simples, depois de ordem sumária, ei-lo posto em algemas, sob o sol causticante. 

Avançando ao pé do grande templo, na mesma praga enorme em que Estevão achara o extremo sacrifício, imensa multidão entrava-lhe a jornada.

Tiago, brando e mudo, padece, escarnecido. 

Declaram-no embusteiro, malfeitor e ladrão. 

Há quem lhe cuspa no rosto e lhe estraçalhe a veste.

 – “A morte! à morte!...” 

Centenas de vazes gritam inesperada condenação, e Pedro, que de longe o segue, estarrecido, fita o irmão desditoso, a entregar-se humilhado. 

O antigo pescador e aprendiz de Jesus é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação de que Herodes lhe decretara a pena, legionários do povo passam-no pela espada, enquanto a turba estranha lhe apedreja os despojos. 

Simão chora, sozinho, ao contemplar-lhe os restos, voltando, logo após, para o seu humilde refúgio. 

Depois de algumas horas, veio a noite envolvente acalentar-lhe o pranto. 

De rústica janela, o condutor da casa inquire o céu imenso, orando com fervor. 

Porque a tempestade? porque a infâmia soez? 

O pobre amigo morto era justo e leal... 

Incapaz de banir a idéia de vingança, Pedro lembra os algozes em revolta suprema. 

Como desejaria ouvir o Mestre agora!... que diria Jesus do terrível sucesso?!... 

Neste instante, levanta os olhos lacrimosos, e observa que o Cristo lhe surge, doce, à frente. 

É o mesmo companheiro de semblante divino. 

Ajoelha-se Pedro e grita-lhe:

 – Senhor! somos todos contados entre os vermes do mundo!... porque tanta miséria a desfazer-se em lama? Nosso nome é pisado e o nosso sangue verte em homicídio impune... A calúnia feroz espia-nos o passo... 

E talvez porque o mísero soluçasse de angústia, o Mestre aproximou-se e disse com carinho, a afagar-lhe os cabelos : 

– Esqueceste, Simão? Quem quiser vir a mim carregue a própria cruz... 

– Senhor! – retrucou, em lágrimas, o apóstolo abatido – não renego o madeiro, mas clamo contra os maus... Que fazer de Joreb, o falsário infeliz, que mentiu sobre nós, de modo a enriquecer-se? que castigo terá esse inimigo atroz da verdade divina? 

E Jesus respondeu, sereno, como outrora : 

– Jamais amaldiçoes... Joreb vai viver... 

– E Amenab, Senhor? que punição a dele, se armou escuro laço, tramando-nos a perda? 

– Esqueçamo-la em prece, porque o pobre Amenab vai viver igualmente... 

 - E Joachib Ben Mad? não foi ele, talvez, o inspirador do crime? o carrasco sem fé que a todos atraiçoa? Com que horrenda aflição pagará seus delitos? 

– Foge de condenar, Joachim vai viver...

 – E Amós, o falso Amós, que ganhou por vender-nos?

 – Olvidemos Amós, porque Amós vai viver... 

– E Herodes, o rei vil, que nos condena a morte, fingindo ignorar que servimos a Deus?

 Mas Jesus, sem turvar os olhos generosos, explicou simplesmente : 

– Repito-te, outra vez, que quem fere, ante a lei será também ferido... A quem pratica o mal, chega o horror do remorso... E o remorso voraz possui bastante fel para amargar a vida... Nunca te vingues, Pedro, porque os maus viverão e basta-lhes viver para se alçarem à dor da sentença cruel que lavram contra eles mesmos... 

Simão baixou a face banhada de pranto, mas ergueu-a em seguida, para nova indagação... 

O Senhor, entretanto, já não mais ali estava. 

Na laje do chão só havia o silêncio que o luar renascente adornava de luz..."

("Contos desta e doutra vida", Irmão X/Francisco Cândido Xavier)

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