sexta-feira, 11 de agosto de 2017

"O MÉDIUM: ECLOSÃO, DESENVOLVIMENTO E EXERCÍCIO DAS SUAS FACULDADES" - "Longa e obstinada vigília"


"1. Longa e obstinada vigília"


"Não dava mais para esperar. Sucediam-se as perplexidades e a
moça estava ficando confusa no meio de todos aqueles estranhos
fenômenos que ocorriam com ela e à sua volta. Sabia, agora, que
o espiritismo tinha um nome adequado para isso: mediunidade.
Ela era, portanto, uma pessoa dotada de faculdades mediúnicas.
Vira isso em um livro básico e elementar que lera de um só fôlego.
E daí? Que caminho escolher entre as diversas alternativas?
A quem recorrer? Com quem se esclarecer e se orientar? Como
aprender a se utilizar corretamente daquele potencial que não
conseguia entender ou controlar?

Uma crônica de jornal, que lera ainda há pouco, dizia maravilhas
de um grupo-padrão mediúnico que funcionava sob responsabilidade
de respeitável instituição. Estava ali a sua oportunidade,
pensou. Recortou a crônica, disposta a falar pessoalmente
com o seu autor. A providência inicial, portanto, consistia em
localizá-lo. Ligou para a instituição, tão animada pela esperança
quanto ingênua e inexperiente. A pergunta foi direta e objetiva:
o que era necessário fazer para qualificar-se como frequentadora
do grupo? A resposta foi educada, mas firme: o grupo era fechado
e seleto. Não admitia ninguém, a não ser por escolha e convite, 
mediante critérios inquestionáveis. Além disso, informou a
voz ao telefone, o grupo era interditado às mulheres. Só homens
poderiam frequentá-lo.

No pouco que lera sobre a doutrina espírita, nada encontrara
que distinguisse o trabalho dos que se encarnam como homens
daqueles que optam pela encarnação feminina; Aliás, o termo
espírita, escolhido para identificar o adepto do espiritismo, a
partir de termo semelhante na língua francesa {spirite), é o que
se chama um adjetivo de duplo gênero, ou seja, tanto serve para
emprego feminino quanto masculino. Diz-se que uma senhora é
espírita da mesma forma que um homem é espírita.
O substantivo espírito, por sua vez, não tem feminino. Seja
homem ou mulher, o termo que identifica o ser é o mesmo - espírito.
Não existe espírito para seres masculinos e espírita para seres
femininos, mesmo porque, segundo consta nas obras básicas.
o espírito não têm sexo.
Entendiam os dirigentes do grupo, ou a tradição ali adotada,
não se sabe por que razões, que a bisonha postulante era uma espírita
(feminino) e não devia frequentar reuniões abertas apenas
aos espíritas masculinos.
Enfim, não lhe cabia discutir o critério. E nem adiantaria fazê-
lo. Deviam ter suas razões para assim proceder. O outro obstá­culo 
que interditava sua admissão no grupo era compreensível,
embora, em sua inexperiência, ela não o tenha considerado impeditivo.

O trabalho mediúnico sério exige, de fato, ambientes
reservados, severos padrões de disciplina, afinidades entre seus
diversos membros, assiduidade e inúmeros outros componentes,
como tivemos oportunidade de estudar em "Diálogo com as sombras",
 no qual o assunto é tratado de maneira específica. 

Em suma: a moça não podia ser admitida no grupo-padrão
por duas indiscutíveis razões. Restava-lhe apelar para a última
alternativa: como falar com o autor da crônica que tantas esperanças
suscitara em seu espírito ?

Isto era mais fácil. (Ou não era?) Ele costumava frequentar as
reuniões de caráter administrativo, aos sábados. A que horas?
Tinha por hábito chegar mais cedo, bem antes da hora marcada
para a reunião, programada para o início da tarde.

Eis porque naquele sábado, pela manhã, a moça partiu do
bairro distante rumo à instituição. Tinha de falar pessoalmente
com aquela pessoa que encarnava, agora, suas esperanças de encontrar
um rumo que lhe permitisse ordenar o verdadeiro emaranhado
de dificuldades em que se metera em consequência de
toda a fenomenologia que a inquietava e começava a assustá-la.
Chegou às dez horas da manhã, subiu as escadas, apresentouse,
fez perguntas, expôs suas intenções e pretensões. E ficou ali,
sentada, aguardando o cronista salvador que, infelizmente, não
compareceu à reunião do dia. Voltou a fazer perguntas. Queria
saber, agora, a quem deveria dirigir-se para obter as informações
de que tanto necessitava para dar um rumo certo à sua vida. Sugeriram-lhe
que falasse com o dirigente da instituição.

Nova espera. A essa altura eram duas horas da tarde.

Finalmente chegou o dirigente, acompanhado de um grupo.
Ela se levantou e pediu ao informante de sempre para indicar
a pessoa, e abordou-a. Nova decepção. Lamentavelmente, disse
ele, não poderia atendê-la no momento, pois já estava atrasado
para a reunião. Concordaria em falar com ela depois de terminada
a reunião? Isto sim era possível, arrematou ele, subindo as
escadas que levavam, provavelmente, à sala de reuniões.


Havia agora duas necessidades pessoais a atender: a fome espiritual
e a material. Uma podia esperar um pouco mais; a outra,
não. A moça desceu, foi à rua, fez um lanche e voltou à sua
vigília, disposta a não arredar pé dali sem ter falado com alguém
acerca de seus anseios espirituais.


A reunião só terminou às seis horas. O dirigente não escondeu
sua surpresa ao encontrar a moça ainda ali, esperando pacientemente.
Imaginara, portanto, que sua atitude inicial a levaria ao
desencorajamento. Levou-a para uma sala, onde sentaram-se, e
ela expôs suas aspirações. Ele escreveu uma pequena apresenta­
ção dirigida ao presidente de um centro espírita de sua confiança.
A essa altura, já anoitecia e a moça precisava voltar para casa."

"Diversidade dos Carismas", Hermínio Miranda

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