sábado, 10 de setembro de 2011

"Cartas de uma morta"

"(...)Após adaptar-me mais ou menos a essa nova vida, ocorreu-me como vos poderia rever e solicitei de um instrutor informação a respeito.
- Sabes em que direção está a Terra? – perguntou ele com bondade.
Diante da minha natural ignorância, apontou-me com a destra um ponto obscuro que se perdia na imensidade, recomendando fitá-lo atentamente. Afigurou-se-me vê-lo crescer dentro de um turbilhão de sirocos indescritíveis. Parecia-me contemplar a impetuosidade de um furação a envolver grande massa compacta de cinzas enegrecidas.
Tomada de inusitado receio, desviei o olhar; porém, o meu solítico guia exclamou, com brandura:
- Lá está a Terra com os seus contrastes destruidores; os ventos da iniquidade varrem-na de polo a polo, entre os brados angustiosos dos seres que se debatem na aflição e no morticínio. O que viste é o efeito das vibrações antagônicas, emitidas pela humanidade atormentada nas calamidades da guerra. Lá alimentam-se as almas com a substância amargosa das dores e sobre a sua superfície a vida é o direito do mais forte. Triste existência a dessas criaturas que se trucidam mutuamente para viver.
São comuns, ali, as chacinas, a fome, as epidemias, a viuvez, a orfandade que aqui não conhecemos... Obscuro planeta de exílio e de sombra! Entretanto, no Universo, poucos lugares abrigarão tanto orgulho e tanto egoísmo! Por tal motivo é que esse mundo necessita de golpes violentos e rudes.
Busca ver naquelas regiões ensanguentadas o local em que estiveste. Pensa nos que lá deixaste, cheios de amargurosa saudade! Deus permite e eu te auxilio.
(...)
Delineei, então, na mente, tudo quanto se relacionava com a minha derradeira existência. Primeiramente, vi-me à margem de uma encantadora paisagem marítima avistando um caminho longo, através do qual fui impelida a seguir.
Sentia-me na posse das faculdades volitivas, que obtivera com o meu desprendimento da vida carnal, e, numa fração infinitésima de tempo, estava ao vosso lado.
Ah! Como vos abracei a todos, emocionada e recolhida! Como achei pequenino o nosso antigo lar e como me penalizou o quadro das vossas dores e dificuldades!
Chorei amargamente vendo a miséria do mundo que vos compele ao sofrimento e a uma batalha sem tréguas!...
Então misturei, com a prece dos encarnados, sofredores e aflitos, a oração de minha alma amedrontada, rogando ao Pai Celestial que vos fortificasse na luta redentora, onde, ao lado dos inúmeros prantos e das alegrias mascaradas, esvoaça o bando das mil tentações que assediam os espíritos no ambiente obscuro da vida carnal, obrigando-os ao esquecimento de seus deveres e de suas austeras obrigações morais."
("Cartas de Uma Morta", Maria João de Deus/Francisco Cândido Xavier)

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