domingo, 24 de setembro de 2017

"ASSISTÊNCIA ESPIRITUAL"

"Qual sucede no Plano dos companheiros, ainda jungidos à veste física, também nós, os desencarnados, sofremos o desafio de rudes problemas que nos são endereçados da Terra, ansiando vê-los definitivamente solucionados, entretanto é preciso conformar as próprias deliberações aos impositivos da vida.

Entendimento não é construção que se levante de afogadilho e a morte do corpo denso não marmoriza as fibras da alma.

Muitas vezes, trememos diante dos perigos que se nos desdobram à frente de seres amados e outro recurso não identificamos para sossegar-nos a alma senão a prece que nos induz à aceitação da Eterna Sabedoria.

Afligimo-nos, perante filhos queridos, engodados por terríveis enganos e tudo daríamos de nós, para que se harmonizassem com a realidade, sem perda de tempo, mas é forçoso respeitar-lhes o livre arbítrio e contar com o benefício do desencanto, a fim de que a experiência se lhes amadureça, no âmago do ser, por fruto precioso de segurança.

 Partilhamos a dor de enfermos estremecidos que nos envolvem o pensamento nas vibrações atormentadas dos rogos com que nos aguardam a intervenção e renunciaríamos de pronto, a tudo o que significasse nossa própria alegria para rearticular-lhes a saúde terrestre, entretanto, cabe-nos a obrigação de acalentar-lhes a coragem no sofrimento inevitável às vitórias morais deles mesmos.

 Acompanhamos as provas de amigos inolvidáveis que se arrastam em asfixiantes peregrinações no mundo, e, jubilosos, tomar-lhes-íamos o lugar sob as cruzes que carregam, mas é necessário fortalecer-lhes o ânimo, para que não desfaleçam na luta, único meio que lhes garantirá o próprio resgate para a grande libertação.

 Seguimos o curso de acontecimentos desagradáveis, entre irmãos que nos partilham ideais e tarefas, entendendo que qualquer sacrifício justo ser-nos-ia uma bênção para furtá-los aos conflitos que lhes ferem a sensibilidade, contudo, é imperioso, de nossa parte, sustentar-lhes as forças, na travessia das crises menores que lhes vergastam o coração no presente, para que se lhes ilumine o aprendizado e se lhes acorde mais vivamente o senso de responsabilidade no dever a cumprir, evitando-se calamidades maiores que cairiam, de futuro, por agentes arrasadores, nas construções espirituais deles próprios.

 Todos somos de Deus e pertencemo-nos uns aos outros, no entanto, cada qual de nós estagia mentalmente em sítio diverso da evolução.

 Por esse motivo, nas dificuldades e lutas que nos são próprias, suplicamos à Infinita Bondade concessões disso ou daquilo, mas só a Infinita Bondade conhece realmente o que necessitamos daquilo ou disso.

 Condicionemos, assim, os próprios desejos à Divina Orientação que dirige o Universo em divino silêncio, porque foi ao reconhecer-nos por enquanto incapazes de querer e saber, acertadamente, o que mais nos convenha à verdadeira felicidade, é que Jesus nos ensinou a sentir e dizer na oração, diante do Pai: “Seja feita a vossa vontade, tanto na Terra, quanto nos Céus…”

"Mãos Marcadas", Emmanuel/Francisco Cândido Xavier 

sábado, 23 de setembro de 2017

"PASSIVIDADE"



"No caso do centro, no qual a moça tentava integrar-se para
participar das tarefas coletivas ali desenvolvidas, havia um rígido
padrão de comportamento mediúnico. Nada da elasticidade
recomendada por Boddington e que constitui um dos próprios
ingredientes do fenômeno mediúnico em si, de vez que cada
médium tem suas peculiaridades, precisamente por ser uma personalidade autônoma. Sem nenhuma experiência de trabalho
em conjunto, a nossa jovem entrou assim para um grupo no qual
predominavam muitas ‘regras’ inibidoras.


Nas sessões ditas de desobsessão, exigia o padrão ali adotado
que ela ‘desse passividade’ exatamente como os demais médiuns
treinados pela casa: imóvel, olhos fechados, mãos juntas e abandonadas tranquilamente sobre a mesa. Nenhum gesto era permitido durante a manifestação, nenhuma palavra em tom mais
alto, nenhuma forma de movimentação do corpo, dos membros
ou da cabeça.


Acontece que a mediunidade da nossa jovem tinha seus mé­
todos operacionais próprios, o que vale dizer: eram diferentes
dos que ah se praticavam. Embora disciplinada, sem manifesta­
ções ruidosas ou palavras descontroladas, ela gesticulava moderadamente e mantinha os olhos abertos, dando enfim expressão
e naturalidade às suas manifestações.


Agia acertadamente a meu ver, permitindo que o espírito manifestante
pudesse expressar-se convenientemente, dizer enfim
ao que veio e expor sua situação a fim de que pudesse ser atendido
ou, pelo menos, compreendido nos seus propósitos. Se ele vinha
indignado por alguma razão - e isto é quase que a norma em trabalhos
dessa natureza -, como obrigá-lo a falar serenamente, com
a voz educada, em tom frio e controlado ? Somos nós, encarnados,
capazes de tal proeza? Não elevamos a voz e mudamos de tom
nos momentos de irritação e impaciência? Como exigir procedimento
diferente do manifestante e do médium? Afinal de contas,
se a manifestação ficar contida na rigidez de tais' parâmetros, acaba
inibida e se torna inexpressiva, quando não inautêntica, de tão
deformada. Em tais situações, é como se o médium ficasse na posição
de mero assistente de uma cena de exaltação e a descrevesse
friamente, em voz monótona e emocionalmente distante dos
problemas que lhe são trazidos. E preciso considerar, no entanto,
que ali está uma pessoa angustiada por pressões íntimas das mais
graves e aflitivas, muitas vezes em real estado de desespero, que
vem em busca de socorro para seus problemas, ainda que não o
admita conscientemente. Não é uma vaga e despersonalizada entidade,
uma simples abstração, mas um espírito que se manifesta.


É um ser humano, vivo, sofrido, desarvorado, que está precisando
falar com alguém que o ouça, que sinta seu problema pessoal, que
o ajude a sair da crise em que mergulhou, que partilhe com ele
suas dores, que lhe proporcione, por alguns momentos, o abrigo
de um coração fraterno. O médium frio e com todos os seus freios
aplicados à manifestação não consegue transmitir a angústia que ,<
vai naquela alma. E um bloco de gelo através do qual não circulam
as emoções do manifestante, a pungência de seu apelo, a ânsia
que ele experimenta em busca de amor e compreensão. Nenhum
problema é maior, naquele instante, para o manifestante
do que o seu, nenhuma dor mais aguda do que a sua. Dizíamos há
pouco que a médium permitia que o manifestante se expressasse
a seu modo, mas, a rigor, ela simplesmente não sabia trabalhar de
outra maneira. A entidade parecia assumir seus comandos mentais
e utilizar-se, com naturalidade, de seu corpo físico. Se havia
alguma ação inibidora ou controladora da parte da médium, era
em nível de consciência extrafísica. E, certamente, era isso que se
dava, pois nunca houve qualquer distúrbio ou excesso nas manifestações que ocorriam por sua intermediação.


No entanto, o dirigente exigia que o médium transmitisse
tudo na rígida postura de um robô, que leva a palavra de um lado
para outro, mas não admite que se filtrem, também, as emoções
que elas contêm e que as impulsionam.

Quando isso ocorre, o que chega ao dirigente ou doutrinador
não é aquilo que partiu do manifestante e, sim, aversão pasteurizada
e impessoal que o médium lhe transmitiu, como se fosse nm
mero  telefone. O espírito nem consegue sentir, no ser
que utiliza como instrumento, um pouco de emparia, de solidariedade,
de fraternidade, de emoção participante, de calor humano.

É nisso que resulta a excessiva e tão decantada passividade...
E para esse tipo de passividade nossa jovem não estava preparada.
Daí os problemas com os métodos da casa e, obviamente,
com os dirigentes do trabalho."

"Diversidade dos Carismas", Hermínio Miranda

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

"PRIMEIROS PASSOS"



"Não alcançara, é certo, nenhum dos seus propósitos iniciais,
mas, ao cabo de um dia inteiro de expectativa e obstinação, conseguira, pelo menos, sair dali com um tímido raio de esperança
materializado na carta que, como chave mágica, deveria abrir
uma porta e pela qual ela esperava penetrar naquele universo diferente
e um tanto secreto, onde suas faculdades seriam, afinal,
cultivadas e postas a serviço de uma causa nobre.


Na segunda-feira seguinte, à noitinha, partiu em busca do endereço
indicado. Entregou a carta ao seu destinatário, que a leu
e mandou-a sentar-se e assistir aos trabalhos da noite, que aliás
não eram de natureza mediúnica, mas uma palestra a ser proferida
por um homem que ela conhecia apenas de nome.


Muitos problemas teria ali, na difícil fase de adaptação que se
seguiria, mas isto ainda era futuro, impenetrável até mesmo às
suas faculdades premonitórias.


Aquela noite, contudo, ficou marcada para sempre em sua
memória por um verdadeiro sismo emocional, que a colocaria
em estado de intensa agitação íntima e lhe deixaria uma sequela
de muitos conflitos. E que, no orador da noite, ela identificou a
figura central de suas vidências e sonhos, durante os quais çenasj
emocionantes eram revividas com toda a intensa carga emocional
que nelas se depositara. Era ele o homem amado do passado,
companheiro de muitas vidas, de felicidade, algumas, de frustrações
e de tormentos, outras. Naquela altura, porém, estava de
partida para os Estados Unidos, para onde seguiu, pouco depois,
em viagem de estudos. Somente ao retornar, meses depois, voltou
a procurar o centro que lhe fora indicado sob circunstâncias tão
complexas para ser orientada no trabalho que esperava realizar.
Longe de ter chegado ao termo das suas dificuldades - disto
ela sabería mais tarde -, elas apenas começavam. Se lhe fora exigida
uma cota tão elevada de tenacidade e decisão apenas para
que lhe indicassem um caminho, seria agora necessário acrescentar
paciência e até humilde resignação à sua obstinação em
servir da maneira adequada à causa que desejava adotar.

É certo que o centro, ao qual fora encaminhada, dispunha de
boa estrutura administrativa, desempenhava importantes tarefas
de natureza social, doutrinária e mediúnica. E como era de
se esperar, desenvolvera severos padrões de disciplina e de metodologia para cada setor de atividade, o que é perfeitamente
compreensível e até desejável. Como realizar um trabalho sério
numa comunidade movimentada e bem frequentada sem regimentos
adequados e normas apropriadas de procedimento?

Cada um tem de saber o que deve fazer e precisa dar conta da
parte que lhe toca no conjunto.

O problema é que a tarefa mediúnica tem peculiaridades que
não se deixam enquadrar na rigidez de certos esquemas inibidores.
Claro que seu exercício precisa obedecer a uma disciplina
operacional suficientemente severa para coibir desvios e ficar ao
abrigo de influências negativas próprias do médium ou provocadas
por terceiros. Mesmo nos limites de tal rigidez, é necessário
deixar algum espaço para que cada médium possa movimentar
seus recursos e faculdades pessoais, bem como expressar, de maneira
adequada, a personalidade do eventual comunicante desencarnado.
Sob esse aspecto, quase se poderia dizer que não há
mediunidade, e sim médiuns.

A mediunidade é a expressão da sensibilidade do médium,
seu instrumento de trabalho, e, como faculdade humana, guarda
características pessoais, como o modo de caminhar, o tom da
voz, a impressão digital, o feitio e ordenação da letra, o temperamento
de cada um. Precisa ser disciplinada sem ser deformada,
respeitando-se o contexto da personalidade humana no qual ela
ocorre. É desastroso tentar impor condições inaceitáveis às suas
manifestações.

Esse equívoco de abordagem ocorre com grande parte dos
cientistas que em suas pesquisas procuram impor à fenomenologia
psíquica em geral, e à mediunidade em particular, padrões
e metodologia de trabalho totalmente inadequados, que na
maioria das vezes frustram o processo de observação e produzem
resultados insatisfatórios. Quem se dispõe a trabalhar com
fenômenos produzidos pelo psiquismo humano deve se preparar
para respeitar as regras do jogo, decidindo, antes, que tipo de
metodologia é aplicável ao estudo que pretende realizar. Se não
existe, precisará criá-la; e antes de experimentar os fenômenos
em si, testar a própria metodologia desenvolvida para a pesquisa.
Isso porque se torna imperioso deixar espaço e condições para
que o fenômeno se produza tão espontaneamente quanto possí­
vel, ainda que sob condições de controle observacional. O cientista,
tanto quanto o dirigente de trabalhos mediúnicos, deve ser
um bom observador, dotado de espírito crítico alertado, e ter o
bom-senso de interferir o mínimo possível - apenas o suficiente
para ordenar a sequência de tarefas e coordenar as atividades
que se desenrolam sob suas vistas. Deve, portanto, ser um observador
participante, certo, mas nunca inibidor., pois ele está all
precisamente para fazer com que as coisas aconteçam e não para _
impedi-las ou forçá-las a ocorrerem da maneira exata pela qual
ele entende que devam ocorrer. „

Não é muito diferente desta a maneira de pensar de André
Luiz, expressa em "Evolução em dois mundos", (Xavier, Francisco
C./Luiz, André 1973) onde se lê:
"Eminentes fisiologistas e pesquisadores de laboratório
procuraram fixar mediunidades e médiuns a nomenclaturas
e conceitos de ciência metapsíquica; entretanto o problema,
como todos os problemas humanos, é mais profundo, porque
a mediunidade jaz adstrita à própria vida, não existindo, por
isso mesmo, dois médiuns iguais, não obstante a semelhança no
campo das impressões..." (Os destaques são meus)

Logo a seguir, adverte André Luiz que até mesmo ‘espiritualistas
distintos’, que se julgam autorizados a apelar para os riscos
da mediunidade - a fim de impedir-lhe a eclosão e, por conseguinte,
os serviços que pode prestar - estão sendo influenciados
por via mediúnica, traduzindo “interpretações particulares de
inteligências desencarnadas que os assistem”. Ou seja, estão atuando
como inconscientes joguetes de vontades estranhas à sua.


Os médiuns são sensíveis não apenas aos seres desencarnados,
mas também às pressões e sentimentos, mesmo não expressos,
das pessoas encarnadas que os cercam durante o trabalho. Harry
Boddington (The university o f spiritualism), ao qual estaremos
recorrendo com alguma frequência neste estudo, acha até que os
médiuns são mais sensíveis às pressões dos encarnados do que às
dos desencarnados.


“Extrema elasticidade” - escreve o competente autor inglês
- “deve ser adotada na aplicação de todas as teorias relativas aos
fenômenos psíquicos.”


Isto não quer dizer, obviamente, que o médium possa e deva fazer
ou permitir que se faça com ele tudo o que vier à sua cabeça ou
à do manifestante, mas é preciso garantir condição suficiente para
que o fenômeno ocorra dentro da dinâmica que lhe é própria.


Esse princípio é válido para qualquer grupamento de pessoas,
até mesmo quando reunidas para finalidades meramente sociais
ou de trabalho material, estudo, debates, ou o que seja. Pessoas
agressivas, amarguradas, mal humoradas, pouco educadas causam
transtornos em qualquer reunião, o que não ocorre quando
os componentes de um grupo se harmonizam, 
respeitam-se mutuamente e debatem os problemas com serenidade e bom-senso, ainda que divergindo neste ou naquele aspecto."

"Diversidade dos Carismas", Hermínio Miranda

sábado, 16 de setembro de 2017

"MEDIUNIDADE ESTÁTICA"

 "A Mediunidade é uma só, é um todo, mas pode ser encarada em seus vários aspectos funcionais, que são caracterizados como formas variadas de sua manifestação. Kardec a dividiu, para efeito metodológico, em duas grandes áreas bem diferenciadas: a mediunidade de efeitos inteligentes e amediunidade de efeitos físicos. Essa divisão prevaleceu nas ciências derivadas do Espiritismo. Charles Richet, fundador da Metapsíquica, estabeleceu nessa ciência a divisão das duas áreas com os nomes de metapsíquica subjetiva e metapsíquica objetiva, correspondendo exatamente à divisão espírita. Na Parapsicologia atual, fundada por Rhine e McDougal, as duas áreas figuram com as denominações de: Psigama (de fenômenos subjetivos ou mentais) e Psicapa (de fenômenos objetivos ou de efeitos físicos). A chamada Ciência Psíquica Inglesa, como a antiga Parapsicologia Alemã, a Psicobiofísica de Schrenk-Notzing e outras várias escolas científicas mantiveram essa divisão, o que prova o acerto metodológico de Kardec. A expressão médium também prevaleceu, chegando até mesmo à Parapsicologia Soviética, materialista, que a conserva em suas publicações oficiais. Só alguns ramos científicos sofisticados, como a Metergia e a Psicorragia inventaram substitutivos para a cómoda e clara palavra médium, mas que não vulgarizaram. Na Metergia o médium se chama metérgico e na Psicorragia se chama psicorrágico. Palavrões científicos só usados por alguns médiuns pedantes que não querem dizer-se médiuns. As denominações dadas pela Parapsicologia atual não são pedantescas. São simples nomes de letras do alfabeto grego, tradicionalmente empregados nas Ciências para designação de fenómenos. Também não é verdade que a Parapsicologia atual tenha dado outros nomes aos fenómenos para se diferenciar do Espiritismo. O problema é outro: na pesquisa científica não se podem usar designações que impliquem interpretação antecipada do fenómeno. Escolhendo letras gregas para designar os fenómenos a ser investigados, os parapsicólogos usavam palavras neutras, como exige a metodologia científica. Uma questão de método. Apesar desse critério, a palavra sensitivo, por exemplo, escolhida para substituir médium, já foi abandonada por vários parapsicólogos, que voltaram à expressão médium, como vimos no caso soviético. 

A terminologia espírita adotada por Kardec é simples e precisa. Mas no tocante às duas áreas fundamentais dos fenómenos de efeitos inteligentes e efeitos físicos, era necessário um acréscimo. Além dessa divisão fenoménica, havia o problema da divisão funcional. Kardec notou a generalização da mediunidade e os espíritos o socorreram, como se vê no "Livro dos Médiuns", com uma especificação curiosa. Temos assim duas áreas de função mediúnica, designadas como mediunidade generalizada e mediunato. A primeira corresponde à mediunidade natural, que todos os seres humanos possuem, e a segunda corresponde à mediunidade de compromisso, ou seja, de médiuns investidos espiritualmente de poderes mediúnicos para finalidades específicas na encarnação. Como Kardec mencionou a existência de médiuns elétricos e várias vezes comparou a mediunidade com a eletricidade, surgiu mais tarde entre alguns estudiosos, entre os quais Crawford, a idéia de uma divisão mais explícita, com a designação de mediunidade estática e mediunidade dinâmica. A primeira corresponde à mediunidade natural que todos possuem e permanece geralmente em estase, com manifestações moderadas e quase imperceptíveis. A segunda corresponde à mediunidade ativa, que exige desenvolvimento e aplicação durante toda a vida do médium. 

A falta de conhecimento dessa divisão acarreta dificuldades e inconvenientes na prática mediúnica, particularmente rios trabalhos de Centros e Grupos. A mediunidade estática não é propriamente uma forma de energia que permanece no organismo corporal em estado letárgico. É simplesmente a disposição natural do espírito para expandir-se,projetar-se e entrar em relação com outros espíritos. A Parapsicologia atual confirmou a tese espírita das relações telepáticas permanentes na vida social. Nossa mente funciona, segundo acentua John Ehrenwald em seu estudo sobre relações interpessoais, como ativo centro emissor e receptor de pensamentos. Estamos sempre conversando sem o perceber. Muitos dos nossos monólogos são diálogos com outras pessoas ou com espíritos. Mensagens de Emmanuel e André Luiz, através de Chico Xavier, referem-se a inquirições mentais que certos espíritos nos fazem, seja para avaliar o nosso estado mental e ajudar-nos a corrigi-lo, seja para fins obsessivos. Um obsessor se aproxima de nós e sugere mentalmente o nome ou a figura de uma pessoa. Começamos a pensar nessa pessoa e a desfilar na mente os dados que possuímos sobre ela. O obsessor insiste e nós, sem percebermos, vamos lhe dando a ficha da pessoa ou as nossas opiniões sobre ela. Ajudamos o obsessor sem saber. De outras vezes ele pretende saber qual é a nossa posição em determinado caso de desentendimento a respeito de um seu amigo. Nós a revelamos e ele passa a envolver-nos num processo obsessivo. Por isso Jesus aconselhou: " Vigiai e orai" . Devemos vigiar os nossos pensamentos e orar por aqueles que consideramos em erro. Se fizermos assim certamente nos livraremos de muitas perturbações e muitos aborrecimentos desnecessários. Os solilóquios do homem são sempre observados pelas testemunhas invisíveis, boas e más, que nos cercam. A mediunidade estática funciona como imanente em nosso psiquismo. Faz parte da nossa natureza, não é uma graça nem uma prova, é um elemento essencial da nossa constituição humana. 

Recorrem às casas espíritas muitas pessoas perturbadas e até mesmo obsedadas, que em geral são consideradas como médiuns em fase de desenvolvimento. 

Muitas delas são apenas vítimas de perseguição de espíritos inferiores, resultantes de inquirições mentais. Por esse ou outros motivos, essas criaturas estão realmente envolvidas num processo de obsessão, mas não são médiuns em desenvolvimento. Precisam de passes, de participação nas sessões, mas não de sentar-se à mesa mediúnica para desenvolver mediunidade. Essas pessoas, tratadas devidamente, livram-se da obsessão mas não revelam mais os sintomas mediúnicos decorrentes da obsessão. 

Essas pessoas não estão investidas de mediunato, não precisam e nem podem desenvolver a sua mediunidade estática. Esta lhe serve para guiar-se na vida através de intuições e percepções extra-sensoriais. A obsessão ocasional, por sua vez, serviu para aproximá-la do Espiritismo, despertar-lhe ou reanimar-lhe o sentimento religioso, encaminhá-la num sentido mais elevado em sua maneira de viver, na busca de sintonias mentais benéficas e não prejudiciais. 

As pessoas não dotadas de mediunato não estão desprovidas dos recursos mediúnicos. Pelo contrário, podem ser muito sensíveis e intuitivas, dispondo de percepções eficazes em todas as circunstâncias. Os dirigentes de sessões não podem esquecer esse problema, que lhes evitará muitos enganos no trato das manifestações mediúnicas. As obsessões não são produzidas apenas por espíritos. Há muitos casos de obsessões telepáticas, provocadas por pessoas vivas. Kardec tratou desses casos referindo-se à telepatia como telegrafia humana. Sentimentos de aversão, de ódio, de vingança, acompanhados de pensamentos agressivos, podem dar a impressão de verdadeiros processos de obsessão por espíritos inferiores. Estes geralmente se envolvem em tais casos e manifestam-se nas sessões com suas costumeiras bravatas, passando como os responsáveis por perturbações em que apenas se intrometeram. Eliminando o processo telepático, esses espíritos se afastam, sentem-se impotentes para prosseguir na temerária empreitada. O Dr. Ehrenwald relata um caso da sua clínica psicanalítica, em que um rapaz era rejeitado pelos companheiros de pensão. A rejeição era oculta, pois todos fingiam apreciá-lo. Só a pesquisa do médico provou o que se passava. Afastando o paciente para outro meio, os sintomas obsessivos desapareceram gradualmente, na proporção em que os algozes o esqueciam. Esse famoso médico  psicanalista, diante de casos dessa ordem, propôs a ampliação dos métodos de pesquisa parapsicológica com acréscimo dos métodos significativos da Psicologia dos métodos qualitativos da pesquisa espírita. Havia realmente chegado a hora em que a Parapsicologia atual devia superar o primarismo dos métodos de investigação puramente quantitativos, sob controle estatístico, para enfrentar o problema das consequências da ação telepática no meio social. Posteriormente a Profa. Louise Rhine, esposa e colaboradora do Prof. Rhine, publicava seu livro "Os Canais Ocultos da Mente", relatando pesquisas de campo sobre os fenômenos paranormais. Alegava que as pesquisas de laboratório eram demasiadamente frias despojavam os fenómenos de sua riqueza emocional seu significado. O livro da Senhora Rhine apresenta uma seqüência impressionante de casos essencialmente espíritas.

 Todos os rios levam suas águas para o mar. Todas as ciências psíquicas desembocam fatalmente no delta do Espiritismo. Não podemos desprezar as suas pesquisas e as suas conclusões. Os parapsicólogos verdadeiros, que são cientistas universitários, não devem ser confundidos com sacerdotes inconscientes que apresentam ao público uma deformação sectária e intencional da Parapsicologia. Esses padres, frades e pastores que tripudiam sobre a ignorância e a ingenuidade do povo, são acionados por interesses materiais evidentes e por entidades espirituais inferiores, que servem da mediunidade estática deles mesmos para levá-los a campanhas inglórias e a explorações deploráveis da boa-fé dos fiéis. Mas a verdade é que estão nas malhas da mediunidade que negam e combatem. A mediunidade estática dorme nas suas próprias entranhas, à espera de que se tornem capazes de percebê-la e compreendê-la. 

Na linha natural dos processos de percepção, a mediunidade estática aflora, às vezes, dadas as circunstâncias favoráveis, numa eclosão semelhante ao desenvolvimento mediúnico. Há casos de premonição que surgem de perigo eventual, casos de vidência passageira, que parecem sintomas de mediunato em eclosão. É difícil saber-se de imediato, o que se passa, principalmente em virtude do estado emocional dos pacientes. Mas basta uma observação paciente, com a frequência a sessões mediúnicas, para logo se verificar que se trata apenas de ocorrências isoladas e ocasionais. 

A mediunidade estática tende sempre a voltar à sua acomodação no psiquismo normal. O que às vezes complica essas ocorrências passageiras é a insistência no desenvolvimento mediúnico ou as aplicações terapêuticas de choques e dosagens excessivas de drogas nos receituários médicos."

"Mediunidade- Vida e Comunicação", José Herculano Pires 

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

"CONCEITO DE MEDIUNIDADE"

"Médium quer dizer medianeiro, intermediário. Mediunidade é a faculdade humana, natural, pela qual se estabelecem as relações entre homens e espíritos. Não é um poder oculto que se possa. desenvolver através depráticas rituais ou pelo poder misterioso de um iniciado ou de um guru. A Mediunidade pertence ao campo da comunicação. Desenvolve-se naturalmente nas pessoas de maior sensibilidade para a captação mental e sensorial de coisas e fatos do mundo espiritual que nos cerca e nos afeta com as suas vibrações psíquicas e afetivas. Da mesma forma que a inteligência e as demais faculdades humanas, a Mediunidade se desenvolve no processo de relação. Geralmente o seu desenvolvimento é cíclico, ou seja, processa-se por etapas sucessivas, em forma de espiral. As crianças a possuem, por assim dizer, à flor da pele, mas resguardada pela influência benéfica e controladora dos espíritos protetores, que as religiões chamam de anjos da guarda. Nessa fase infantil as manifestações mediúnicas são mais de caráter anímico; a criança projeta a sua alma nas coisas e nos seres que a rodeiam, recebem as intuições orientadoras dos seus protetores, às vezes vêem e denunciam a presença de espíritos e não raro transmitem avisos e recados dos espíritos aos familiares, de maneira positiva e direta ou de maneira simbólica e indireta. Quando passam dos sete ou oito anos integram-se melhor no condicionamento da vida terrena, desligando-se progressivamente das relações espirituais e dando mais importância às relações humanas. O espírito se ajusta no seu escafandro para enfrentar os problemas do mundo. Fecha-se o primeiro ciclo mediúnico, para a seguir abrir-se o segundo. Considera-se então que a criança não tem mediunidade, a fase anterior é levada à conta da imaginação e da fabulação infantis. 

É geralmente na adolescência, a partir dos doze ou treze anos, que se inicia o segundo ciclo. No primeiro ciclo só se deve intervir no processo mediúnico com preces e passes, para abrandar as excitações naturais da criança, quase sempre carregadas de reminiscências estranhas do passado carnal ou espiritual. Na adolescência o seu corpo já amadureceu o suficiente para que as manifestações mediúnicas se tornem mais intensas e positivas. É tempo de encaminhá-la com informações mais precisas sobre o problema mediúnico. Não se deve tentar o seu desenvolvimento em sessões, a não ser que se trate de um caso obsessivo. Mas mesmo nesse caso é necessário cuidado para orientar o adolescente sem excitar a sua imaginação, acostumando-o ao processo natural regido pelas leis do crescimento. O passe, a prece, as reuniões para estudo doutrinário são os meios de auxiliar o processo sem forçá-lo, dando-lhe a orientação necessária. Certos adolescentes integram-se rápida e naturalmente na nova situação e se preparam a sério para a atividade mediúnica. Outros rejeitam a mediunidade e procuram voltar-se apenas para os sonhos juvenis. É a hora das atividades lúdicas, dos jogos e esportes, do estudo e aquisição de conhecimentos gerais, da integração mais completa na realidade terrena. Não se deve forçá-los, mas apenas estimulá-los no tocante aos ensinos espíritas. Sua mente se abre para o contato mais profundo e constante com a vida do mundo. Mas ele já traz na consciência as diretrizes próprias da sua vida, que se manifestarão mais ou menos nítidas em suas tendências e em seus anseios. Forçá-lo a seguir um rumo que repele é cometer uma violência de graves conseqüências futuras. Os exemplos dos familiares influem mais em suas opções do que os ensinos e as exortações orais. Ele toma conta de si mesmo e firma a sua personalidade. É preciso respeitá-lo e ajudá-lo com amor e compreensão. No caso de manifestações espontâneas da mediunidade é conveniente reduzi-las ao círculo privado da família ou de um grupo de amigos nas instituições juvenis, até que sua mediunidade se defina, impondo-se por si mesma. 

O terceiro ciclo ocorre geralmente na passagem da adolescência para a juventude, entre os dezoito e vinte e cinco anos. É o tempo, nessa fase, dos estudos sérios do Espiritismo e da Mediunidade, bem como da prática mediúnica livre, nos centros e grupos espíritas. Se a mediunidade não se definiu devidamente, não se deve ter preocupações. Há processos que demoram até a proximidade dos 30 anos, da maturidade corporal, para a verdadeira eclosão da mediunidade. Basta mantê-lo em ligação com as atividades espíritas, sem forçá-lo. Se ele não revela nenhuma tendência mediúnica, o melhor é dar-lhe apenas acesso a atividades sociais ou assistenciais. As sessões de educação mediúnica (impropriamente chamadas de desenvolvimento) destinam-se apenas a médiuns já caracterizados por manifestações espontâneas, portanto já desenvolvidos. 

Há ainda um quarto ciclo, correspondente a mediunidades que só aparecem após a maturidade, na velhice ou na sua aproximação. Trata-se de manifestações que se tornam possíveis devido às condições da idade: enfraquecimento físico, permitindo mais fácil expansão das energias perispiríticas; maior introversão da mente, com a diminuição de atividades da vida prática, estado de apatia neuropsíquica, provocado pelas mudanças orgânicas do envelhecimento. Esses fatores permitem maior desprendimento do espírito e seu relacionamento com entidades desencarnadas. Esse tipo de mediunidade tardia tem pouca duração, constituindo uma espécie de preparação mediúnica para a morte. Restringe-se a fenômenos de vidência,comunicação oral, intuição, percepção extrasensorial e psicografia. Embora seja uma preparação, a morte pode demorar vários anos, durante os quais o espírito se adapta aos problemas espirituais com que não se preocupou no correr da vida. Esses fatos comprovam o conceito de mediunidade como simples modalidade do relacionamento homem-espírito. Kardec lembra que o fato de o espírito estar encarnado não o priva de relacionar-se com os espíritos libertos, da mesma maneira que um cidadão encarcerado pode conversar com um cidadão livre através das grades. Não se trata das conhecidas visões de moribundos no leito mortuário, mas de típico desenvolvimento tardio de mediunidade que, pela completa integração do indivíduo na vida carnal, imantado aos problemas do dia-a-dia, não conseguiu aflorar. A sua manifestação tardia lembra o adágio de que os extremos se tocam. A velhice nos devolve à proximidade do mundo espiritual, em posição semelhante à das crianças. 

Na verdade, a potencialidade mediúnica nunca permanece letárgica. Pelo contrário, ela se atualiza com mais freqüência do que supomos, passa de potência a ato em diversos momentos da vida, através de pressentimentos, previsões de acontecimentos simples, como o encontro de um amigo há muito ausente, percepções extra-sensoriais que atribuímos à imaginação ou à lembrança e assim por diante. Vivemos mediunicamente, entre dois mundos e em relação permanente com entidades espirituais. Durante o sono, como Kardec provou através de pesquisas ao longo de mais de dez anos,desprendemo-nos do corpo que repousa e passamos ao plano espiritual. Nos momentos de ausência psíquica de distração, de cochilo, distanciamo-nos do corpo rapidamente e a ele retornamos como o pássaro que voa e volta ao ninho. A Psicologia procura explicar esses lapsos fisiologicamente, mas as reações orgânicas a que atribui o fato não são causa e sim efeito de um ato mediúnico de afastamento do espírito. Os estudos de Hipnotismo comprovam isso, mostrando que a hipnose interfere constantemente em nossa vigília, fazendo-nos dormir em pé e sonhar acordados, como geralmente se diz. A busca científica de uma essência orgânica da mediunidade nunca deu nem dará resultados. Porque a mediunidade tem sua essência na liberdade do espírito. 

Chegando a este ponto podemos colocar o problema em termos mais precisos: a mediunidade é a manifestação do espírito através do corpo. No ato mediúnico tanto se manifesta o espírito do médium como um espírito ao qual ele atende e serve. Os problemas mediúnicos consistem, portanto, simplesmente nadisciplinação das relações espírito-corpo. É o que chamamos de educação mediúnica. Na proporção em que o médium aprende, como espírito, a controlar a sua liberdade e a selecionar as suas relações espirituais, sua mediunidade se aprimora e se torna segura. Assim o bom médium é aquele que mantém o seu equilíbrio psicofísico e procede na vida de maneira a criar para si mesmo um ambiente espiritual de moralidade, amor e respeito pelo próximo. A dificuldade maior está em se fazer o médium compreender que, para tanto, não precisa tornar-se santo, mas apenas um homem de bem. Os objetivos de santidade perseguidos pelas religiões, através dos milênios, gerou no mundo uma expectativa incômoda para todos os que se dedicam aos problemas espirituais. Ninguém se torna santo através de sufocação dos poderes vitais do homem e adoção de um comportamento social de aparência piedosa. O resultado disso é o fingimento, a hipocrisia que Jesus condenou incessantemente nos fariseus, uma atitude permanente de condescendência e bondade que não corresponde às condições íntimas da criatura. O médium deve ser espontâneo, natural, uma criatura humana normal, que não tem motivos para se julgar superior aos outros. Todo fingimento e todo artifício nas relações sociais leva os indivíduos à falsidade e à trapaça. A chamada reforma-íntimaesquematizada e forçada não modifica ninguém, apenas artificializa enganosamente os que a seguem. As mudanças interiores da criatura decorrem de suas experiências na existência, experiências vitais e consciências que produzem mudanças profundas na visão íntima do mundo e da vida. 

Essa colocação dos problemas mediúnicos sugere um conceito da mediunidade que nos leva às próprias raízes do Espiritismo. A Mediunidade nos aparece como o fundamento de toda a realidade. O momento do fiat, da Criação do Cosmos, é um ato mediúnico. Quando o espírito estrutura a matéria para se manifestar na Criação, constrói o elemento intermediário entre ele e a realidade sensível ou material. A matéria se torna o médium do espírito. Assim, a vida é uma permanente manifestação mediúnica do espírito que, por ela, se projeta e se manifesta no plano sensível ou material. O Inteligível, que é o espírito, oprincípio inteligente do Universo, dá a sua mensagem inteligente através das infinitas formas da Natureza, desde os reinos mineral, vegetal e animal, até o reino hominal, onde a mediunidade se define em sua plenitude. A responsabilidade do Homem, da Criatura Humana, expressão mais elevada do Médium, adquire dimensões cósmicas. Ele é o produto multimilenar da evolução universal e carrega em sua mediunidade individual o pesado dever de contribuir para que a Humanidade realize o seu destino cósmico. A compreensão deste problema é indispensável para que os médiuns aprendam a zelar pelas suas faculdades."

"Mediunidade - Vida e Comunicação", José Herculano Pires

domingo, 10 de setembro de 2017

"PERANTE A VIDA"


       "Em verdade, o sistema solar — vasto e sublime edifício, de que somos reduzido apartamento — é um império maravilhoso de luz e de vida, cuja grandeza mal começamos a perceber.
       Basta lembrar que a sede rutilante desse largo domínio cósmico, representada pelo divino astro do dia, detém o volume correspondente a um milhão e trezentas mil Terras reunidas, e basta recordar que Júpiter, o filho mais importante do Sol, é mais de mil vezes maior que o nosso Planeta.
       Mas, não é somente a massa comparada desses gigantes do Espaço, que precisamos examinar para definir, com segurança, a nossa pequenez.
       Reportemo-nos, igualmente, às distâncias, recordando que Marte, o nosso vizinho mais próximo, quando menos afastado do educandário em que estagiamos, movimenta-se a cinquenta e seis milhões de quilômetros de nós, oferecendo-nos justas reflexões quanto aos estreitos limites de nossa casa terrestre.
       Registre-se ainda que o nosso Sistema, ante a amplidão ilimitada, é insignificante domicílio na cidade imensa da Via-Láctea, na qual milhões de sóis, transportando consigo milhões de mundos, tanto quanto nos ocorre, procuram, através do movimento e do trabalho incessantes, a comunhão com a indefinível Majestade de Deus.
       Veja, Sírius, Canopus e Antares, sóis resplendentes, junto dos quais o nosso não passará de ponto obscuro, à maneira de lâmpada humilde no coro da imortalidade, constituem palácios suspensos, onde a beleza e a perfeição adquirem aspectos inabordáveis, ainda, ao nosso campo de expressão.
       Todavia, é preciso calar, de algum modo, o êxtase que nos assalta, ante a magnificência do Universo, para atender às obrigações que o mundo nos exige.
       Somos demasiadamente pequeninos para arrojar ao Cosmo o escalpelo de nossas indagações descabidas.
       Aves implumes no ninho da vida eterna, achamo-nos, ainda, muito longe das asas com que ultrapassaremos nossas justas e compreensíveis limitações.
       Por isso mesmo, embora aguardando a celeste herança que nos é destinada no curso dos milênios, busquemos construir a casa de nossos destinos sobre a Rocha do Amor, — Jesus Cristo, — o Sol Espiritual que nos acalenta e soergue para o grande futuro.
       Antes da ascensão a outras esferas, atendamos à necessidades de nossa própria moradia.
       Melhoremo-nos para que a nossa residência melhore.
       Ajudemo-nos, uns aos outros, para que a vida, em nosso plano, se faça menos dolorosa e menos inquietante..
       E, convertendo nosso mundo, pouco a pouco, no santuário vivo em que Jesus se manifeste, estejamos convictos de que a Terra, hoje escura, amanhã se transformará no espelho divino em cuja face a glória de Deus se refletirá.
“Intervalos”, Emmanuel/Francisco Cândido Xavier)

sábado, 9 de setembro de 2017

"UMA VOLTA DA FORTUNA"

"Lê-se no Siècle, de 5 de junho de 1864: 

“Um berlinense, Sr. X..., possuía uma grande fortuna. Seu pai, ao contrário, em consequência de revezes, tinha caído numa pobreza absoluta e tinha sido forçado a recorrer à generosidade de seu filho. Este repeliu duramente a solicitação do velho que, para não morrer de fome, teve que recorrer à justiça. O Sr. X... foi condenado a fornecer ao pai uma pensão alimentícia. Mas o Sr. X... tinha tomado suas precauções. Pressentindo que se se recusasse a pagá-la, seria feita uma investigação em seus rendimentos, tomou a decisão de ceder sua fortuna a um tio paterno. 

“Assim, o infeliz pai viu fugir-lhe a última esperança. Protestou que a cessão era fictícia e que seu filho tinha recorrido a ela para se furtar à execução da sentença. Mas ele teria que prová-lo; o velho, entretanto, não tinha condições para intentar um processo custoso, pois lhe faltavam as coisas mais necessárias à subsistência. 

“Um acontecimento imprevisto veio tudo mudar. O tio morreu subitamente, sem testamento. Como ele não tinha família, a fortuna coube, de direito, ao parente mais próximo, isto é, ao seu irmão. 

“Compreende-se o resto. Hoje, os papéis estão invertidos. O pai está rico e seu filho, pobre. O que, sobretudo, deve aumentar o desespero deste último é que ele não pode invocar o fato de uma cessão fictícia, pois a lei interdita formalmente esse gênero de transações.” 

Dir-se-ia que se sempre fosse assim com o mal, melhor seria compreendida a justiça do castigo; sabendo o culpado por que é punido, saberia do que se deve corrigir. 

Os exemplos de castigos imediatos são menos raros do que se pensa. Se se remontasse à fonte de todas as vicissitudes da vida, ver-se-ia aí, quase sempre, a consciência natural de alguma falta cometida. A cada instante recebe o homem terríveis lições, das quais, infelizmente, tira pouco proveito. Enceguecido pela paixão, ele não vê a mão de Deus que o fere. Longe de reconhecer-se culpado por seus próprios infortúnios, ele os atribui à fatalidade, à sua má sorte; irrita-se muito mais frequentemente do que se arrepende, e não nos surpreenderíamos se o filho do qual se fala acima, em vez de ter reconhecido seus erros para com o pai; em vez de voltar a ter melhores sentimentos para com ele, não tivesse concebido contra ele mais animosidade. Ora, o que é que Deus pede ao culpado? O arrependimento e a reparação voluntária. 

Para motivá-lo a isso, ele multiplica em seu redor os avisos sob todas as formas, durante sua vida: desgraças, decepções, perigos iminentes, numa palavra, tudo o que é próprio a fazê-lo refletir. Se, a despeito disto, seu orgulho resiste, não é justo seja punido mais tarde? Grave erro é pensar que o mal fique algumas vezes completamente impune na vida atual. Se soubéssemos tudo quanto acontece ao mau, aparentemente o mais próspero, ficaríamos convencidos da verdade de que não há uma única falta nesta vida, uma só inclinação má, digamos mais, um só mau pensamento que não tenha sua contrapartida. Deduz-se daí que, consequentemente, se o homem aproveitasse os avisos que recebe; se ele se arrependesse e reparasse suas faltas ainda nesta vida, teria satisfeito à justiça de Deus e não teria mais que expiar e reparar, quer no mundo dos Espíritos, quer em nova existência. Se há, portanto, aqueles que nesta vida sofrem as consequências de sua existência anterior, é que eles têm a pagar uma dívida que não saldaram. Se o filho em questão morrer na impenitência, sofrerá, a princípio, no mundo dos Espíritos, o castigo do remorso; sofrerá moralmente o que fez sofrer materialmente; será um Espírito infeliz, porque terá violado a lei que lhe dizia: Honra teu pai e tua mãe. Mas Deus, que é soberanamente bom e, ao mesmo tempo, soberanamente justo, permitir-lhe-á reencarnar-se para reparar; talvez lhe dê o mesmo pai, e, em sua bondade, lhe poupe a humilhante lembrança do passado. Entretanto, o culpado trará consigo a intuição das resoluções que tiver tomado e a vontade de fazer o bem, em vez do mal. Será a voz da consciência que lhe ditará a conduta. Depois, quando voltar ao mundo dos Espíritos, Deus lhe dirá: Vem a mim, meu filho, tuas faltas estão apagadas. Mas, se ele falhar nessa nova prova, terá que recomeçar, até que se tenha despojado inteiramente do homem velho. 

Cessemos, portanto, de ver nas misérias que sofremos por faltas de uma existência anterior um mistério inexplicável, e digamos que de nós depende evitálas, merecendo o perdão desde esta vida. Saldadas nossas dívidas, Deus não nos fará pagá-las segunda vez. Mas, se ficarmos surdos a seus avisos, então ele exigirá até o último ceitil, ainda que após séculos ou milhares de anos. Para isto ele não exige vãos simulacros, mas a reforma radical do coração. A morada dos eleitos só é aberta aos Espíritos purificados. Qualquer mancha interdita o seu acesso. Todos podem pretendê-lo, mas a cada um cabe fazer o que é necessário para lá chegar, mais cedo ou mais tarde, conforme seus esforços e sua vontade. No entanto, Deus a ninguém diz: Não te purificarás!"


"Revista Espírita", Outubro de 1864

sábado, 12 de agosto de 2017

"O ANJO SOLITÁRIO"

"Enquanto o Mestre agonizava na cruz, rasgou-se o céu em Jerusalém e entidades angélicas, em grupos extensos, desceram sobre o Calvário doloroso…
Na poeira escura do chão, a maldade e a ignorância expeliam trevas demasiadamente compactas para que alguém pudesse divisar as manifestações sublimes.
Fios de claridade indefinível passaram a ligar o madeiro ao firmamento, embora a tempestade se anunciasse a distância…
O Cristo, de alma sedenta e opressa, contemplava a celeste paisagem, aureolado pela glória que lhe bafejava a fronte de herói, e os emissários do Paraíso chegavam, em bandos, a entoarem cânticos de amor e reconhecimento que os tímpanos humanos jamais poderiam perceber.
Os Anjos da Ternura rodearam-lhe o peito ferido, como a lhe insuflarem energias novas.
Os portadores da Consolação ungiram-lhe os pés sangrentos com suave bálsamo.
Os Embaixadores da Harmonia, sobraçando instrumentos delicados, formaram coroa viva, ao redor de sua atribulada cabeça, desferindo comovedoras melodias a se espalharem por bênçãos de perdão sobre a turba amotinada.
Os Emissários da Beleza teceram guirlandas de rosas e lírios sutis, adornando a cruz ingrata.
Os Distribuidores da Justiça, depois de lhe oscularem as mãos quase hirtas, iniciaram a catalogação dos culpados para chamá-los a esclarecimento e reajuste em tempo devido.
Os Doadores de Carinho, em assembleia encantadora, postaram-se à frente dele e acariciavam-lhe os cabelos empastados de sangue.
Os Enviados da Luz acenderam focos brilhantes nas chagas doloridas, fazendo-lhe olvidar o sofrimento.
Trabalhavam os mensageiros do Céu, em torno do Sublime Condutor dos Homens, aliviando-o e exaltando-o, como a lhe prepararem o banquete da ressurreição, quando um anjo aureolado de intraduzível esplendor apareceu, solitário, descendo do império magnificente da Altura.
Não trazia seguidores e, em se abeirando do Senhor, beijou-lhe os pés, entre respeitoso e enternecido. Não se deteve na ociosa contemplação da tarefa que, naturalmente, cabia aos companheiros, mas procurou os olhos de Jesus, dentro de uma ansiedade que não se observara em nenhum dos outros.
 Dir-se-ia que o novo representante do Pai Compassivo desejava conhecer a vontade do Mestre, antes de tudo. E, em êxtase, elevou-se do solo em que pousara, aos braços do madeiro afrontoso. Enlaçou o busto do Inesquecível Supliciado, com inexcedível carinho, e colou, por um instante, o ouvido atento em seus lábios que balbuciavam de leve.
 Jesus pronunciou algo que os demais não escutaram distintamente.
 O mensageiro solitário desprendeu-se, então, do lenho duro, revelando olhos serenos e úmidos e, de imediato, desceu do monte ensolarado para as sombras que começavam a invadir Jerusalém, procurando Judas, afim de socorrê-lo e ampará-lo.
 Se os homens lhe não viram a expressão de grandeza e misericórdia, os querubins em serviço também lhe não notaram a ausência. Mas, suspenso no martírio, Jesus contemplava-o, confiante, acompanhando-lhe a excelsa missão, em silêncio.
 Esse, era o anjo divino da Caridade."
 
"Estante da Vida", Irmão X/Francisco Cândido Xavier

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

"O MÉDIUM: ECLOSÃO, DESENVOLVIMENTO E EXERCÍCIO DAS SUAS FACULDADES" - "Longa e obstinada vigília"


"1. Longa e obstinada vigília"


"Não dava mais para esperar. Sucediam-se as perplexidades e a
moça estava ficando confusa no meio de todos aqueles estranhos
fenômenos que ocorriam com ela e à sua volta. Sabia, agora, que
o espiritismo tinha um nome adequado para isso: mediunidade.
Ela era, portanto, uma pessoa dotada de faculdades mediúnicas.
Vira isso em um livro básico e elementar que lera de um só fôlego.
E daí? Que caminho escolher entre as diversas alternativas?
A quem recorrer? Com quem se esclarecer e se orientar? Como
aprender a se utilizar corretamente daquele potencial que não
conseguia entender ou controlar?

Uma crônica de jornal, que lera ainda há pouco, dizia maravilhas
de um grupo-padrão mediúnico que funcionava sob responsabilidade
de respeitável instituição. Estava ali a sua oportunidade,
pensou. Recortou a crônica, disposta a falar pessoalmente
com o seu autor. A providência inicial, portanto, consistia em
localizá-lo. Ligou para a instituição, tão animada pela esperança
quanto ingênua e inexperiente. A pergunta foi direta e objetiva:
o que era necessário fazer para qualificar-se como frequentadora
do grupo? A resposta foi educada, mas firme: o grupo era fechado
e seleto. Não admitia ninguém, a não ser por escolha e convite, 
mediante critérios inquestionáveis. Além disso, informou a
voz ao telefone, o grupo era interditado às mulheres. Só homens
poderiam frequentá-lo.

No pouco que lera sobre a doutrina espírita, nada encontrara
que distinguisse o trabalho dos que se encarnam como homens
daqueles que optam pela encarnação feminina; Aliás, o termo
espírita, escolhido para identificar o adepto do espiritismo, a
partir de termo semelhante na língua francesa {spirite), é o que
se chama um adjetivo de duplo gênero, ou seja, tanto serve para
emprego feminino quanto masculino. Diz-se que uma senhora é
espírita da mesma forma que um homem é espírita.
O substantivo espírito, por sua vez, não tem feminino. Seja
homem ou mulher, o termo que identifica o ser é o mesmo - espírito.
Não existe espírito para seres masculinos e espírita para seres
femininos, mesmo porque, segundo consta nas obras básicas.
o espírito não têm sexo.
Entendiam os dirigentes do grupo, ou a tradição ali adotada,
não se sabe por que razões, que a bisonha postulante era uma espírita
(feminino) e não devia frequentar reuniões abertas apenas
aos espíritas masculinos.
Enfim, não lhe cabia discutir o critério. E nem adiantaria fazê-
lo. Deviam ter suas razões para assim proceder. O outro obstá­culo 
que interditava sua admissão no grupo era compreensível,
embora, em sua inexperiência, ela não o tenha considerado impeditivo.

O trabalho mediúnico sério exige, de fato, ambientes
reservados, severos padrões de disciplina, afinidades entre seus
diversos membros, assiduidade e inúmeros outros componentes,
como tivemos oportunidade de estudar em "Diálogo com as sombras",
 no qual o assunto é tratado de maneira específica. 

Em suma: a moça não podia ser admitida no grupo-padrão
por duas indiscutíveis razões. Restava-lhe apelar para a última
alternativa: como falar com o autor da crônica que tantas esperanças
suscitara em seu espírito ?

Isto era mais fácil. (Ou não era?) Ele costumava frequentar as
reuniões de caráter administrativo, aos sábados. A que horas?
Tinha por hábito chegar mais cedo, bem antes da hora marcada
para a reunião, programada para o início da tarde.

Eis porque naquele sábado, pela manhã, a moça partiu do
bairro distante rumo à instituição. Tinha de falar pessoalmente
com aquela pessoa que encarnava, agora, suas esperanças de encontrar
um rumo que lhe permitisse ordenar o verdadeiro emaranhado
de dificuldades em que se metera em consequência de
toda a fenomenologia que a inquietava e começava a assustá-la.
Chegou às dez horas da manhã, subiu as escadas, apresentouse,
fez perguntas, expôs suas intenções e pretensões. E ficou ali,
sentada, aguardando o cronista salvador que, infelizmente, não
compareceu à reunião do dia. Voltou a fazer perguntas. Queria
saber, agora, a quem deveria dirigir-se para obter as informações
de que tanto necessitava para dar um rumo certo à sua vida. Sugeriram-lhe
que falasse com o dirigente da instituição.

Nova espera. A essa altura eram duas horas da tarde.

Finalmente chegou o dirigente, acompanhado de um grupo.
Ela se levantou e pediu ao informante de sempre para indicar
a pessoa, e abordou-a. Nova decepção. Lamentavelmente, disse
ele, não poderia atendê-la no momento, pois já estava atrasado
para a reunião. Concordaria em falar com ela depois de terminada
a reunião? Isto sim era possível, arrematou ele, subindo as
escadas que levavam, provavelmente, à sala de reuniões.


Havia agora duas necessidades pessoais a atender: a fome espiritual
e a material. Uma podia esperar um pouco mais; a outra,
não. A moça desceu, foi à rua, fez um lanche e voltou à sua
vigília, disposta a não arredar pé dali sem ter falado com alguém
acerca de seus anseios espirituais.


A reunião só terminou às seis horas. O dirigente não escondeu
sua surpresa ao encontrar a moça ainda ali, esperando pacientemente.
Imaginara, portanto, que sua atitude inicial a levaria ao
desencorajamento. Levou-a para uma sala, onde sentaram-se, e
ela expôs suas aspirações. Ele escreveu uma pequena apresenta­
ção dirigida ao presidente de um centro espírita de sua confiança.
A essa altura, já anoitecia e a moça precisava voltar para casa."

"Diversidade dos Carismas", Hermínio Miranda