sábado, 5 de outubro de 2013

"MINHA MISSÃO"

"Pergunta – (À Verdade) – Bom Espírito, desejaria saber o que
pensais da missão que me foi assinada apor alguns Espíritos;
quereis dizer-me, eu vos peço, se é uma prova para o meu
amor-próprio. Sem dúvida, vós o sabeis, tenho o maior
desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do
papel de simples trabalhador ao de missionário como chefe, a
distância é grande, e eu não compreenderia o que poderia
justificar, em mim, um tal favor, de preferência a tantos
outros que possuem talentos e qualidades que não tenho.

Resposta. – Confirmo o que te foi dito, mas convido-te a
muita discrição, se quiseres vencer. Saberás, mais tarde,
coisas que te explicarão o que te surpreende hoje. Não
olvideis que podeis vencer, como podeis falir; neste último
caso, um outro te substituiria, porque os desígnios do Senhor
não repousam sobre a cabeça de um homem. Não fales, pois,
jamais da tua missão: esse seria o meio de fazê-la fracassar.
Ela não pode ser justificada senão pela obra realizada, e ainda
nada fizeste. Se a cumprires, os homens te reconhecerão,
cedo ou tarde, eles mesmos, porque é pelos frutos que se
reconhece a qualidade da árvore.



Pergunta. – Certamente, não tenho nenhuma vontade de me
gabar de uma missão na qual creio apenas eu mesmo. Se
estou destinado a servir de instrumento para os objetivos da
Providência, que ela disponha de mim; mas, nesse caso,
reclamo a vossa assistência e a dos bons Espíritos para me
ajudarem e me sustentarem na tarefa.

Resp. – A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se,
de tua parte, não fizeres o que é necessário. Tens o teu livre
arbítrio; cabe a ti usá-lo como entendes; nenhum homem
está constrangido a fazer fatalmente uma coisa.



Perg. – Quais são as causas que poderiam me fazer fracassar?
Seria a insuficiência de minhas capacidades?

Resp. – Não; mas a missão dos reformadores está cheia de
escolhos e de perigos; a tua é rude, disso te previno, porque
é o mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar.
Não creias que te baste publicar um livro, dois livros, dez
livros, e permaneceres tranqüilamente em tua casa; não, serte-
á preciso expor-te ao perigo; levantarás contra ti ódios
terríveis; inimigos obstinados conjurarão a tua perda; estarás
em luta contra a malevolência, a calúnia, a traição mesmo
daqueles que te parecerão os mais devotados; tuas melhores
instruções serão desconhecidas e desnaturadas; mais de uma
vez, sucumbirás sob o peso da fadiga; em uma palavra, será
uma luta quase constante que terás que sustentar, e o
sacrifício de teu repouso, de tua tranqüilidade, de tua saúde,
e mesmo de tua vida, porque sem isso viverias por muito
mais tempo. Pois bem! mais de um recua quando, em lugar
de um caminho florido, não encontra sob os seus passos
senão espinheiros, pedras agudas e serpentes. Para tal
missão, a inteligência não basta. É necessário primeiro, para
agradar a Deus, a humildade, a modéstia, o desinteresse,
porque ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os
ambiciosos. Para lutar contra os homens é necessário
coragem, perseverança, e uma firmeza inabalável; é preciso
também da prudência e do tato, para conduzir as coisas a
propósito, e não comprometer-lhe o sucesso por medidas, ou
por palavras, intempestivas; é preciso, enfim, do
devotamento, da abnegação, e estar pronto para todos os
sacrifícios.
Vês que a tua missão está subordinada a coisas que
dependem de ti.
ESPÍRITO VERDADE.

Eu vos agradeço, Espírito Verdade, pelos vossos sábios
conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem dissimulação.
Senhor! Se vos dignastes lançar os olhos sobre mim para o
cumprimento de vossos desígnios, que seja feita a vossa
vontade! A minha vida está em vossas mãos, disponde do
vosso servidor. Em presença de uma tão grande tarefa,
reconheço a minha fraqueza; minha boa vontade não faltará,
mas, talvez, as minhas forças me trairão. Supri a minha
insuficiência; dai-me as forças físicas e morais que me forem
necessárias. Sustentai-me nos momentos difíceis, e com a
vossa ajuda, e a de vossos celestes mensageiros, esforçar-me-ei
para corresponder aos vossos objetivos.

Nota. Escrevi esta nota em 1º de janeiro de 1867, dez anos e
meio depois que esta comunicação me foi dada, e constato
que ela se realizou em todos os pontos, porque sofri todas as
vicissitudes que me foram anunciadas. Fui alvo do ódio de
inimigos obstinados, da injúria, da calúnia, da inveja e do
ciúme; libelos infames foram publicados contra mim; as
minhas melhores instruções foram desnaturadas; fui traído
por aqueles em quem coloquei a minha confiança, pago com a
ingratidão por aqueles a quem prestei serviço. A Sociedade de
Paris foi um foco contínuo de intrigas urdidas por aqueles
mesmos que se diziam por mim, e que, fazendo cara boa
diante de mim, me dilaceravam por detrás. Disseram que
aqueles que tomavam o meu partido eram assalariados por
mim com o dinheiro que eu recolhia do Espiritismo. Não mais
conheci o repouso; mais de uma vez sucumbi sob o excesso
de trabalho, a minha saúde foi alterada e a minha vida
comprometida.
No entanto, graças à proteção e à assistência dos bons
Espíritos que me deram, sem cessar, provas manifestas de
sua solicitude, estou feliz em reconhecer que não senti, um só
instante, o desfalecimento nem o desencorajamento, e que
constantemente persegui a minha tarefa com o mesmo ardor,
sem me preocupar com a malevolência de que era objeto.
Segundo a comunicação do Espírito Verdade, deveria esperar
tudo isso, e tudo se verificou.
Mas também, ao lado dessas vicissitudes, que satisfação senti
vendo a obra crescer de modo tão prodigioso! Com quantas
doces consolações as minhas tribulações foram pagas!
Quantas bênçãos, quantos testemunhos de real simpatia, não
recebi da parte dos numerosos aflitos que a Doutrina consolou!
Esse resultado não me fora anunciado pelo Espírito Verdade
que, sem dúvida, desejou não me mostrar senão as
dificuldades do caminho. Quanto não seria, pois, a minha
ingratidão se eu me queixasse! Se dissesse que há uma
compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade,
porquanto o bem, entendo as satisfações morais, superaram
muito sobre o mal. Quando me chegava uma decepção, uma
contrariedade qualquer, elevava-me, pelo pensamento, acima
da Humanidade; colocava-me, por antecipação, na região dos
Espíritos e, desse ponto culminante, de onde descobria o meu
ponto de atraso, as misérias da vida deslizavam sobre mim
sem me atingir. Fizera-me disso um tal hábito que os gritos
dos maus jamais me perturbaram."

("Obras Póstumas", Allan Kardec)

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