sábado, 1 de outubro de 2016

"CARTA ESTIMULANTE"

"Diz você, meu amigo, que, depois de haver assistido a alguns trabalhos interessantes de materialização, passou a, registrar estranhas modificações no modo de ver.
 
Assinalou diversas entidades momentaneamente corporificada, à frente dos olhos, e, pela surpreendente claridade que irradiavam, compreendeu a beleza da vida
 
Quando os clarões das luzes inexprimíveis se apagaram, retomou, quase desacoroçoado, à tarefa comum.
 
A lembrança das sugestivas revelações perdurava-lhe na memória; entretanto, a via pública pareceu-lhe mais fria e o ambiente doméstico, onde ninguém se lhe afeiçoa, as idéias, figurou-se-lhe um cárcere ao pensamento.
 
No dia seguinte, em retomando o serviço habitual, os companheiros de luta, menos esclarecidos, eram mais duros de suportar.
 
Deslocara-se-lhe a mente.
 
À maneira do lenhador que examina uma central elétrica, você passou a sentir o peso do trabalho no carvão comum.
 
Para, que alimentar o fogo, a toras, de madeira, se há força acessível e eficiente?
 
Tedioso cansaço assomou-lhe o coração.
 
E marcou, espantado, o vigoroso conflito entre sua alma e a realidade, através de incoercível desajustamento.
 
Não seria razoável abandonar toda atividade considerada por inferior e partir em busca das claridades de cima? Valeria a pena prosseguir enfrentando o barro da cerâmica em que você trabalha, quando a imortalidade se lhe patenteou, indiscutível e brilhante?
 
Todavia, é forçoso considerar que se a semente pudesse despertar ante a grandeza de uma espiga madura e não se sujeitasse mais ao serviço que lhe compete na cova lodacenta, naturalmente o mundo se privaria, de pão.
 
O plano espiritual, contudo, não pretende instalar a fome ou a ociosidade na Terra.
 
O Planeta é uma escola em que a inteligência encarnada recebe a lição de que necessita.
 
Entre a maloca indígena e o castelo civilizado, medeiam muitos séculos de cultura, com experiências vastíssimas e assombrosas, e, entre o palácio dos homens e o santuário dos anjos, há que andar por numerosos séculos ainda...
 
O Cristianismo que você abraçou, com tanta sinceridade e ternura, permanece repleto de ensinamentos nesse sentido.
 
Diante do Tabor, em que Espíritos bem-aventurados se materializaram, ao lado do Mestre, em transfiguração indescritível, Pedro, deslumbrado, pede para que uma choupana seja ali construída, a fim de que nunca mais regressassem ao mundo vulgar; entretanto, o grande apóstolo é arrebatado, de lá, ao torvelinho de ação rotineira, dentro do qual perdeu e venceu, várias vezes, sob o tacão de vicissitudes humanas, até alcançar a verdadeira exaltação pelo martírio e pelo sacrifício.
 
Envolve-se Paulo num dilúvio de bênçãos, nas vizinhanças de Damasco, mas, ao invés de acompanhar o Cristo magnânimo que o abraça, de improviso, é convocado a perambular, por muitos anos, entre desapontamento e pedradas, no seio da multidão.
 
Que mais?
 
O próprio Mestre, no Jardim da prece solitária, sente-se visitado por um anjo divino que desce do firmamento, em sublime esplendor; todavia, longe de segui-lo em carro de triunfo para as Esferas Superiores, desce para o cárcere, sofre o insulto da turba ameaçadora, e marcha, humilhado, para a crucificação.
 
Não transforma, pois, a excelência do estímulo revelador em desalento para o trabalho natural.
 
Valores imperecíveis não surgem de imediato.
 
Tempo e esforço são as chaves do crescimento da alma.
 
Se os Espíritos elevados reaparecem no intercâmbio dos dois círculos de vida, a que nos ajustamos, é que se inspiram no ministério da caridade e desejam acordar os homens para mais altas noções de justiça e fraternidade, a fim de que se fortaleçam e aprimorem, perante a continuidade da vida e da individualidade, além túmulo...
 
Se você foi chamado às tarefas do oleiro, atenda, quanto possível, ao enriquecimento íntimo, nos estudos e serviços que a nossa, Consoladora Doutrina oferece, mas não olvide os tijolos e manilhas, telhas e vasos que a sua indústria foi convidada a materializar. Institua facilidade e abundância para que os menos favorecidos de recursos e de inteligência consigam construir seus ninhos aos quais se abrigam pobres aves humanas, em peregrinação aflitiva na erraticidade.
 
Esforce-se para que seu nome seja louvado e abençoado pelos que compram e vendem, pelos que administram e obedecem, convencido de que, se não devemos esquecer a contemplação das estrelas, não encontraremos o caminho de acesso a elas se não acendermos alguma lamparina no chão."


("Cartas e Crónicas", Irmão X/Francisco Cândido Xavier)

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